11 de dez. de 2019

Sideral versus tropical: como os astrólogos investigam?

Alguns astrólogos que eu conheço investigaram (ou ainda investigam) qual seria o melhor zodíaco para as técnicas que eles usam.

Vou postar aqui alguns processos de investigação adotados por cada um deles.

Ernst Wilhelm

Jyotishi, Ernst deve ter ouvido poucas e boas quando decidiu mudar do zodíaco sideral para o tropical. Até mesmo enquanto ele usava o sideral, seu ayanamsha era bem diferente, gerando posições planetárias que não batiam com a maioria dos astrólogos que usam o ayanamsha Lahiri. Ele usava Dhruva, no meio do nakshatra Mula, no Centro da Galáxia (em Sagitário sideral). Nem me pergunte como ele é, porque não faço a mínima ideia.

Dos testes que efetuou, mencionou este: Ernst começou a pegar mapas de horários precisos e testar duas coisas: a altura da pessoa pelo Ascendente da Trimsamsa e a cor dos objetos que as pessoas compravam ou ganhavam (como, por exemplo, cores de casas e de carros). Diz ele que fez isso exaustivamente. Então tá.

No último parágrafo do seu artigo "The mistery of the Zodiac" (dividido por mim para facilitar a leitura):

A respeito da testagem de qual zodíaco é o correto, são os detalhes que devem ser examinados. Se a pessoa for alta, espera-se o Lagna (Ascendente)  e seu regente no Rasi (signo) e Trimsamsa em Rasis grandes (Áries, Leão e Capricórnio). Se a pessoa for baixa, esperaríamos no pequeno e esguio Escorpião. 
Se a pessoa comprar um carro no Dasa Lua/Vênus, ambos os zodíacos podem, de alguma forma, revelar a compra do veículo. Contudo, um zodíaco especificará um veículo vermelho, enquanto outro um azul. Se o veículo for vermelho ou azul, temos nossa resposta; se o veículo não for vermelho, nem azul, então outro princípio está fora de cogitação, talvez o Ayanamsa é incorreto ou o Dasa incorreto está sendo aplicado, e assim o Dasa não era Lua/Vênus, mas outro. Trabalhar tediosamente pelo mapa dessa forma ajudará a revelar qual zodíaco é o correto para se montar uma figura.

Buscando esses detalhezinhos, ele descobriu que o zodíaco tropical seria o melhor. Buscar coisinhas miúdas é uma tarefa típica dele, que tem Ascendente Virgem, no zodíaco tropical.

Rumen Kolev

A trajetória de Rumen é longa. Estudando astrologia babilônica há vinte anos, ele chegou aos porquês de muitos elementos usados sem questionamento pelos astrólogos da atualidade. Eu não posso falar muita coisa porque infringiria o copyright do seu curso, mas ele usa o zodíaco sideral babilônico que coloca a estrela fixa Aldebaran a 15º de Touro. Isso automaticamente coloca Antares a 15°05'Escorpião. Só que ele usa três sistemas de referência dá funções a cada um deles: o zodíaco sideral mencionado, o calendário lunar babilônico e... o zodíaco tropical. Justamente por usar esses três como referência (através de um raciocínio de dar uma função a cada um destes), é preciso ver o que funciona melhor em cada um deles. Daí sua investigação das interpretações dos termos do Ascendente e do MC.

O método divulgado por Rumen para investigação de qual zodíaco seria o correto envolve a interpretação dos termos dos signos divulgada por Vettius Valens, nas primeiras páginas da sua Antologia. Da mesma forma que Ernst, ele diz ter testado exaustivamente a descrição dos termos do Ascendente e do Meio do Céu, e concluiu que os termos no zodíaco sideral babilônico estariam muito mais alinhados com a realidade dos donos dos mapas.

Você pode fazer esse teste, eu já recomendei no antepenúltimo artigo.

Eu, que nem cego em tiroteio.

Com dois filhos e trabalhando como médico, não tenho o tempo que esses astrólogos tiveram para ver centenas de mapas e fazer suas conclusões. Minha amostragem de mapas natais é pequena, então o que eu posso fazer é começar a ler horárias de desfecho rápido usando os dois zodíacos, e isso eu vou começar a fazer, se surgirem questões relevantes (até agora, nenhuma), pois a relevância de uma horária é que torna o mapa bem representativo da realidade do consulente.

É claro que eu tenho um método para investigação natal, e ele envolve ao mesmo tempo um método de investigação de revoluções solares, porque a revolução solar sideral é bem diferente da tropical. O método é o seguinte:

Eventos impactantes de domínio público são indicados por planetas angulares: quando eu caí de um muro, em 2007, TODA a faculdade de medicina ficou sabendo. Vênus era a regente do ano e se aplicava a Saturno e a Marte. Esses três planetas estavam angulares na revolução solar tropical. Isso indicava que o evento era público, e foi mesmo.

A mesma revolução, no zodíaco sideral colocava a oposição marte-saturno cadente no eixo 6-12, e planetas cadentes na revolução indicam eventos que só o querente e, no máximo, sua família sabem (além do astrólogo, se ele for bom). Portanto, 1x0 zodíaco tropical.

As partes do corpo atribuídas aos signos: apesar de Vênus estar em Touro na Revolução, no mapa natal ela está em Aquário, que corresponde às pernas. Marte, da Revolução Solar, ingressou em Aquário, numa conjunção exata com Vênus natal. Eu sofri uma fratura de tíbia e fíbula na perna direita. Mais um ponto pro zodíaco tropical.

Usando o zodíaco sideral, marte revolucional e Vênus natal estariam em Capricórnio, que rege os joelhos. Até aí, tudo bem, porque a fratura incluía o platô tibial, que faz parte da porção distal do joelho. Só que, ainda no sideral, o regente do ano passaria a ser marte, e não Vênus. Marte estaria exaltado e recebido por Saturno. O quadro seria menos pior e nada da tíbia ser envolvida nisso. Mais um ponto a favor do zodíaco tropical.

O regente do ano: em 2007, meu regente do ano foi Vênus. De fato, eu me acidentei, mas uma das coisas mais significativas nesse ano foi ter conhecido minha primeira mulher, não porque eu ainda sinta alguma coisa por ela hoje em dia, não me entenda mal. Apenas porque esse evento mudou a trajetória da minha vida consideravelmente nos próximos anos. Se usarmos o zodíaco sideral, o regente do ano seria marte na 7, que indica mulher, com um porém: haveria muitas brigas, e a conjunção Marte-Saturno em Virgem sideral indicaria ruptura do relacionamento no mesmo ano. O primeiro ano do nosso relacionamento foi praticamente um passeio no parque. E, com apenas um trecho pequeno da minha vida, o zodíaco tropical ganha de lavada: 4x0.

Conclusão

O dilema sideral x tropical não é simples, e me admira ver algumas pessoas tendo a certeza arrogante de que estão certas nas suas escolhas. O que elas podem ter certeza é de apenas uma coisa básica: o julgamento astrológico depende pesadamente dos planetas, e menos dos signos, porque posição é mais importante que regência. Em muitos casos, mesmo o zodíaco errado dá resultados corretos, porque grande parte do nosso julgamento depende das posições por casa dos planetas, a despeito do signo que ocupam. Afinal de contas, o nome do que praticamos é "astrologia", e não "zodiacologia". Portanto, seja lá qual zodíaco você usar, pode ainda acertar uma parte dos prognósticos. A questão é saber qual é essa percentagem.




6 de dez. de 2019

Astrologia de 2000 anos atrás no Greek Horoscopes

Não é difícil encontrar no scribd o livro Greek Horoscopes (GH), e já advirto que é uma mistura de revelação com decepção.


Primeiro, preciso apresentá-los ao Greek Horoscopes... Trata-se de uma coletânea de mapas e de suas interpretações, editadas por céticos em astrologia, Otto Neugebauer, que achava astrologia uma baita charlatanice. O interesse de Otto era histórico e astronômico. Morreu sem ver que seu legado foi aproveitado nos círculos esotéricos.

A parte reveladora do conteúdo do texto está em saber que algumas técnicas pouco empregadas hoje eram mais comuns no primeiro século depois de Cristo, quando a astrologia helênica estava bombando, e decepção porque os julgamentos astrológicos são pequenos, geralmente usando apenas as posições e aspectos dos planetas, sem nada de lotes, dodekatemorias, antiscias ou qualquer outra coisa que você tenha conhecido quando estuda astrologia.

Sim, os julgamentos eram assombrosamente simples. Apenas com a lua, o astrólogo dizia sobre várias áreas da vida. Falava de fama, morte, número de irmãos, sendo que, na maioria dos casos, não levava em conta sequer quais casas ela regia! Em parte, isso é bom, porque mostra na prática algumas técnicas que lemos em alguns livros e que não temos coragem de praticar, em parte porque nossa razão costuma rejeitar.

E Doriforia... Como tem interpretação de Doriforia explicando porque o dono do mapa tinha poder, era famoso à época, etc. Se você ler o GH e não aprender a usar as malditas Doriforias, precisa voltar às aulas de inglês.

A leitura do GH serve pra ver também quais técnicas eram mais difundidas à época. Pode esquecer Ptolomeu, porque parece que Valens estava na crista da onda. Não ele em si (que poderia ter sido um anônimo que gostava de astrologia). Quero dizer que uma das técnicas citadas por Valens era superpopular à época, a técnica das ascensões conjugadas aos anos menores dos planetas.
E, com essa introdução ao GH, vou lhes mostrar como era procurar um astrólogo no primeiro século da Era Comum.

Identidade, CPF, e mapa natal no bolso.

Quando você nascia, algum astrólogo registrava o Ascendente (por observação do tempo, do sol ou de alguma estrela fixa) e as posições dos planetas num papiro/pergaminho, e você guardava aquilo a vida toda, como uma certidão de nascimento. Daí, toda vez que tinha alguma dúvida, pegava o papelzinho, colocava na túnica e levava pra um astrólogo.

A maioria dos papiros sobreviventes tinha essa apresentação. Vou dar o meu mapa de exemplo:

Ascendente Áries (às vezes, nem colocavam o grau!)
Lua 02 Touro
Sol 06 Áries
Vênus 20 Aquário
Mercúrio 21 Peixes
Marte 11 Libra
Saturno 19 Libra
Júpiter 8 Escorpião
Boa sorte! (a maioria tinha isso escrito ao final)
Que Meio do Céu o quê, cara-pálida! Pode esquecer!

Quase dois mil anos depois, uma pessoa desocupada acessa sites que geram mapas instantâneos muito mais detalhados que essa porcaria. E de graça!

Claro, havia os mapas apelidados de Horóscopos Deluxe. Esses tinham os sete lotes Herméticos, desenhava-se o diagrama das casas, era um trabalho mais elaborado.

Um mapa 'deluxe'.

Com um detalhe: NENHUM dos mapas, incluindo esses 'mapas premium' tinham os graus das cúspides das casas. Dos mapas que mostravam os graus de uma casa, só continham o grau do Ascendente. Eventualmente, alguém colocava o grau do Meio do Céu também, mas eram a minoria. Essa é uma evidência de que o sistema de casas empregado era o de signos inteiros, e que os sistemas de casas quadrantes surgiram séculos depois.

Um exemplo de interpretação

A maioria dos mapas do GH é da Antologia de Valens, cuja tradução já está em domínio público na internet, portanto é melhor mostrar alguma coisa que não esteja lá. Vejamos uma eletiva (Katarche) sobre cartas, cujo raciocínio é praticamente o de uma horária cuja pergunta seria "as notícias serão boas?":
Ano de Diocleciano, 204, mês de Thoth, 7, Sábado, primeira hora do dia, chegaram cartas perturbadoras para uma certa pessoa, com tudo indo contra sua expectativa. 
A Katarche foi encontrada assim: O Sol em Virgem a 10º, a Lua em Libra 4º, Saturno em Sagitário 5º, Júpiter em Libra grau 7º55', Marte em Capricórnio 8º, Vênus em Leão 8º, Mercúrio em Virgem 25º, Ascendente Libra 0º41', Meio do Céu Câncer 0º41', Lote da Fortuna em Libra 25º, nodo norte Escorpião 2º24'. 
E encontramos Júpiter no Ascendente no grau e Vênus em Leão como regente do Ascendente (também da Lua, de Júpiter e da Fortuna, no Bom Espírito), ascendendo de manhã e aditiva em números (rápida); e encontramos sua Dodekatemoria em Escorpião. O regente associado do Ascendente, Júpiter no mesmo, também em movimento direto. 
Fui confundido por essas configurações e disse que, aparentemente, a carta era boa, mas estava errado.  Após investigar mais a fundo, descobri que Vênus, regente da casa da Katarche, não tinha reinvindicações no Ascendente.; tampouco Lua ou Júpiter e a Fortuna, por estarem interceptados por Marte, de acordo com o dito de Doroteu. E encontrei Marte e Saturno enclausurando Mercúrio, Ascendente, Lua e Júpiter, de acordo com os ensinamentos de Antigonus. Além disso, Marte estava diamétrico ao Meio do Céu e destrutivo. 
Portanto, é necessário em toda Katarche observar a interceptação do Sol e das estrelas, o enclausuramento do Ascendente e da Lua e da estrela com clamores à regência da Katarche. 

Tentando entender o raciocínio deste autor... Primeiro, quando ele diz que Vênus não tinha 'reinvindicações' no Ascendente da carta, eu só consigo pensar que ele se referia ao fato de Vênus estar, segundo seus critérios, impedida. Foi um termo que nós, astrólogos modernos que estudam textos antigos, estamos acostumados a ouvir como sinônimo de regência, e isso confunde um pouco.  Júpiter seria um regente auxiliar provavelmente por estar na sua própria triplicidade e no Ascendente, um sinal de autoridade.

O impedimento venusiano seria uma 'interceptação' de Marte, no sentido dele fazer uma oposição e um trígono aos signos que flanqueiam o signo de Vênus, Câncer e Virgem.

O autor diz também que Marte e Saturno estão  enclausurando Mercúrio, Ascendente, Lua e Júpiter (incluiria o sol, no mesmo signo de Mercúrio, mas ele se esqueceu). De fato, eles estão, mas somente se considerarmos os dois agindo juntos: marte faz um trígono ao signo anterior a Libra (Virgem) e um sextil a Escorpião (signo seguinte), enquanto Saturno faz uma quadratura ao signo anterior a Libra, mas está inconjunto ao signo seguinte a Libra, Escorpião. Só que Marte também faz quadratura a Libra (se considerarmos aspectos por signo inteiro), e isso é um impedimento mais relevante que um enclausuramento, a meu ver. Virgem estaria também interceptada ou enclausurada entre maléficos se usássemos marte e Saturno juntos.

O enclausuramento ou interceptação dos planetas é uma técnica interessante e que não damos muita atenção, mas eu acho um recurso fácil demais para provar o ponto de vista do astrólogo da maneira que ele quiser, já que cada planeta faz seis aspectos cada... Eu consideraria a interceptação relevante se os dois maléficos fizessem aspectos tensos antes e depois de uma casa, mas isso dá pano pra manga pra outro artigo.

Se a mesma horária fosse interpretada por um astrólogo medieval, Sahl consideraria que a Lua teria um testemunho maior do que o regente do Ascendente, por estar no Ascendente. Lua se aplica em sextil a Saturno mas, como Júpiter está em Libra, 'uma conjunção impede um aspecto, mas um aspecto não impede uma conjunção' (mesmo que não estejam no mesmo grau!), portanto o receptor da disposição da Lua é Júpiter, de quem marte está se separando, e portanto não aflige o grande benéfico. Se usássemos a interpretação default de horárias, ensinada por Sahl e Masha'Allah, para esta figura, ela seria boa. Eu não vejo nenhum sinal de que a carta prometeria más notícias, mas Sahl tem regras específicas para horárias de notícias que não vem ao caso aqui e posso estar usando um raciocínio correto que não se aplica ao caso.

Isso serve para aprendermos que astrólogos antigos também discordam entre si, e muito, e que as prioridades dos astrólogos árabes eram diferentes das prioridades de um astrólogo anônimo (possivelmente helênico) que seguia Doroteu, por mais que este tenha sido um autor muito reverenciado pelos árabes.

Note também que os planetas estão muito próximos uns dos outros em orbe de aspecto, exceto mercúrio, que está no final de Virgem e, mesmo assim, o autor considera a quadratura mercúrio-saturno como um outro impedimento (porque mercúrio significa escrita e cartas). Um astrólogo árabe diria que o aspecto de quadratura entre Saturno e Mercúrio é bem separativo (a orbe de mercúrio é 7°, a de Saturno 9º, e eles estão distantes de uma tal forma que nenhum influencia o outro ainda) e não implicaria um impedimento, nem mesmo 'a introdução de temores e preocupações' comuns a aspectos separativos ainda na orbe de influência.

Conclusão

Sempre é bom ler coisas que nos tirem da zona de conforto, pois assim podemos separar o joio do trigo e introduzirmos mais técnicas nas nossas práticas. Ler o GH é uma boa maneira de fazer isso, com a vantagem de ser um texto contendo interpretações e exemplos de aplicação de técnicas.

4 de dez. de 2019

Jeffrey Dahmer e a descrição dos termos e faces do Ascendente

Jeffrey Dahmer foi um cidadão americano que estuprou, matou e comeu (literalmente) cerca de 17 meninos e homens, principalmente entre 1989 e 1991. Foi preso, aceitou Jesus e terminou assassinado dentro da cadeia (por um psicótico) em novembro de 1994. Apesar do ódio que uma figura dessas provoca na opinião pública, lendo sua biografia não é impossível ter alguma compaixão do homem, claramente doente, que tentava parar de escutar as alucinações com álcool, e cujo destino poderia ser totalmente diferente se recebesse um cuidado mais intensivo.
Aqui está o seu mapa natal tropical:

E o sideral:
O mapa de Jeffrey é recorrentemente citado por um blog muito bom de astrologia helenística, o Seven Stars Astrology. Independentemente de discordar de Anthony no modo como ele conduziu esse assunto, o blogue sempre será uma referência para mim de boa astrologia para mim. E talvez, um dia, eu conclua que estava errado.
O mote principal dos artigos que citam Dahmer é a proeminência cabeluda de planetas nos próprios domicílios no zodíaco tropical do mapa do serial killer. Se isso não é um Raja Yoga, eu não sei que seria. O cara tem Vênus em Touro, Mercúrio em Gêmeos, Marte em Áries e Saturno em Capricórnio! Saturno está angular, e seus aspectos com outros planetas domiciliados o colocaria no primeiro tipo de Doriforia, quando um planeta domiciliado está angular e em aspecto com outros planetas domiciliados - no caso, marte em Áries.
Apresentado o mapa e, após o susto inicial do iniciante ao ver seus conceitos dados como certos caindo por terra, entra em cena uma discussão cercada de relativizações que, se fossem parte daquele brinquedinho de bebê, seriam como tentar encaixar o quadrado no buraco do triângulo. Fala-se muito no que representaria um planeta em domicílio, se ele indicaria coisas boas, se indicaria poder sem questões morais envolvidas (portanto, um marte domiciliado seria forte e não necessariamente ético), ou se, de acordo com a opinião de alguns astrólogos medievais como Abū Maʿšar, simplesmente indicaria familiaridade, ou seja, significaria coisas cuja origem seja familiar a pessoa.
A solução de Anthony para mostrar que o buraco é mais embaixo é incluir a Dodekatemoria dos planetas, o que, segundo ele, torna mais clara a interpretação de que, a depender das circunstâncias onde nasceria, seu mapa não poderia dar muito certo.
A solução de Anthony é boa, tradicional, sóbria, mas inclui mais nove pontos numa interpretação que já é difícil. Eu não acho que as Dodekatemorias não funcionam mas, meu Deus do céu, será que temos de incluir mais nove pontos no mapa para se chegar à essência da pessoa? Será que já não teríamos um vislumbre disso olhando inicialmente para os planetas? Eu nem digo a verdade inteira, apenas um vislumbre pra mim já seria bom! Quantas vezes Vettius Valens, nas suas dezenas de mapas de exemplo, usa a Dodekatemoria? Eu não consigo me recordar aqui de uma sequer.
A despeito da questão do zodíaco certo ser tropical ou sideral (e no sideral, as dignidades planetárias do mapa de Dahmer mudariam radicalmente e todo esse blábláblá de planetas domiciliados seria em vão), considero a discussão sobre o conceito de planeta domiciliado importante, e analisar esse mapa foi uma boa oportunidade de refletir sobre esse conceito fundamental para a astrologia.
Para muita gente, nem é uma questão saber qual zodíaco é o correto. Tal qual uma escolha dogmática, se escolhe um dos zodíacos e segue sua vida como astrólogo. Reitero aqui que não faz diferença alguma na minha vida de astrólogo descobrir que um zodíaco funciona melhor que outro.
Espremendo o suco da literatura astrológica.
Enquanto estudante de astrologia, eu me sinto um pouco decepcionado quando vejo a multiplicidade de interpretações e técnicas dos antigos que não são postas em prática por nós. São verdadeiros manuais de interpretação, considerados anacrônicos para nossa realidade. Daí eu me pergunto: seriam essas interpretações impossíveis na nossa realidade por serem anacrônicas demais ou será que elas não funcionam por serem vistas sob um background teórico errado? Se a segunda hipótese for a correta, qual seria o quadro de referência correto? É aí que entra a questão do zodíaco sideral versus tropical, novamente!
Quem não tem muito acesso aos livros seminais da astrologia tradicional - falo de Valens, Firmicus Maternus e Hephaistion de Tebas, principalmente - acha que não existem interpretações dos termos, decanatos e dos planetas nos signos, mas tem sim, e muito! E o estudante ficaria perplexo que essas interpretações podem funcionar ainda na nossa realidade. E, quando eu falo de funcionar, falo dela fazer um resumo penetrante da vida da pessoa. Nada com o qual a pessoa se identifique vagamente. É algo sintético, mas profundamente descritivo daquilo que define o destino da pessoa e a torna conhecida, ainda que entre poucos.
É aí que entram dois livros. O primeiro, a Antologia de Valens, é muito citado, mas parece que as pessoas só querem saber dele para aprender Regentes das Triplicidades dos luminares, Lote da Fortuna e Liberação Zodiacal do Espírito. Dos nove livros deixados por Valens, maioria aproveita apenas dois deles. Por que será?
O segundo livro nem é muito citado, mas retém a uma das poucas interpretações dos decanatos (ou faces) que podemos acessar em língua moderna hoje. Falo do primeiro livro do Apotelesmatica, de Hephaistio de Tebas.
Vamos pegar o grau do Ascendente de Dahmer e ver a interpretação dos termos e faces onde ele se encontra, tanto no zodíaco sideral quanto no tropical. Apesar de ser um caso apenas, acredite, ele não é isolado. Sugiro que você pegue dez mapas de pessoas que você conhece bem, e faça o mesmo, tanto no zodíaco sideral quanto no tropical. São dez pra te convencer pois, estatisticamente, é um número desprezível.
Lembre-se também de que a astrologia nunca opera com fatores isolados, e o aspecto dos planetas pode piorar ou melhorar a interpretação que esses dois autores descrevem. No caso de Dahmer, o Ascendente está em quadratura com Saturno e Júpiter, e em oposição a Marte e à Lua Minguante, considerada maléfica em mapas diurnos, e em conjunção a marte! Com apenas um benéfico para contrariar a ação de três planetas maléficos, a coisa não tá fácil...
E agora, vejamos a face do Ascendente nos dois zodíacos. Começando pelo zodíaco tropical, eis o segundo decanato de libra (tropical) segundo Hephaistion:
Quem nasceu no segundo decanato será brilhante, rico, dominador, aquele que deixa sua casa por expectativas e honras e presentes reais, mas acabará com uma boa companhia, terá o nascimento de crianças, fará descobertas e assistirá ao crescimento das crianças. Os sinais deste decanato: será de tamanho mediano, rosto escuro, cabelos finos, terá uma marca sobre seu peito e outra sobre o abdome, e será oprimido por este decanato. Períodos críticos aos 8, 11, 13, 35, 40, 57, 62, 73 e 87 anos.
Em resumo, uma pessoa que sai de casa com altas expectativas, não as realiza mas termina bem, com uma família. Típica descrição do average man. Sendo Dahmer gay, dócil, solteiro e rejeitado até pela avó, não temos como aceitar essa interpretação.
Agora, a descrição para o terceiro decanato de Virgem (sideral):
Aquele nascido no terceiro decanato será rico e educado; temperado, justo, aquele que cuida da sua própria vida, piedoso, generoso, com sucesso; sofrerá pelas crianças e mulher, mas terá um bom fim. Sinais desse decanato: estatura média, cabeça pequena, cheiroso; não lhe faltará pão até sua morte. Viverá pouco e morrerá pela espada. Períodos críticos desse deus são 8, 17, 23, 34, 41, 65, 73, 85.
Essa interpretação parece não ter nada a ver com Dahmer, mas com 34 anos, ele morre assassinado na prisão, sendo este um dos anos climáticos dados por Hephaistio. Lembre-se de que ainda não falamos da sua personalidade e de que essas interpretações são modificadas pelos testemunhos dos planetas! Talvez seja necessário uma biografia ou um documentário para mostrar essas nuances mais de perto, a fim de colaborar ou rejeitar essa interpretação, mas aqui temos uma noção de que ele era considerado aparentemente... temperado. Não pelas suas vítimas, claro:
Jeffrey Dahmer, empregado numa fábrica de chocolates, era para todos um " bom rapaz ", afável, interessado em competições desportivas, e que morava ali apenas há ano e meio, vindo de casa de uma avó, residente também em Milwaukee.
Comparando a interpretação sideral com a tropical: ambas não são lá muito boas, mas a sideral ganha, por duas razões: mostra Dahmer como uma pessoa tranquila (pelo menos, na maior parte do tempo), diz que ele morrerá cedo e de forma violenta.
Hephaistio pega bem mais leve que Valens, que veremos a seguir. Talvez aqui haja a intromissão do estilo de escrita do autor: enquanto Valens parece definir a vida das pessoas pelos seus atos climatéricos (os eventos mais intensos e importantes, sejam eles bons ou ruins), Hephaistio tenta descrever a vida inteira da pessoa. E até mesmo o pior dos criminosos não passa 24 horas do dia matando e planejando crimes. Como ela se comporta? Como ela é considerada? Como é a vida dela em família? Pablo Escobar manteve seu núcleo familiar razoavelmente coeso até sua morte, mas era o fucking traficante colocado no ranking da revista Forbes como um dos homens mais ricos do mundo, por anos!
Vamos ver a descrição dos termos por Valens, quando a coisa fica mais... Tarantinesca. Valens não pega leve. Primeiro, o zodíaco tropical (esta é até 'suave'):
O terceiro termo (de Libra), 8º, pertence a Júpiter: produz fortuna mas, a despeito disso, esse termo é característico de homens azarados, que tristemente acumulam suas posses, vivendo sem ostentação, com um estilo de vida sórdido, sem apreciação da beleza, muito críticos dos outros, e, claro, não abençoados com crianças.
Em resumo, segundo a descrição dos termos de libra, Jeffrey era um pão duro frugal disfórico que não teve filhos. Acumular posses, ele até acumulava sim: os cadáveres no porão de onde morava e na sua geladeira, mas eu acho que, astrotecnicamente, não poderíamos considerar isso como bens materiais...
Os aspectos de maléficos poderiam piorar essa interpretação de pão duro, mas não no sentido de transformá-lo num assassino. Um aspecto de maléficos piora a qualidade do evento, mas não a altera. Portanto, a menos que o traço de pãodurice fosse marcante na sua personalidade, a ponto de ser citado por terceiros, essa descrição é pouco adequada. Soma-se a isso que, como o estilo de Valens resume o destino da pessoa pelos seus atos mais intensos, aonde está a perversidade? Aonde está a violência?
E, por falar em maléficos, agora o Ascendente dele nos termos de marte em Virgem, no zodíaco sideral:
O quarto termo (de Virgem), 7º, pertence a Marte: masculino, cruel, público, demagogo, vagam a noite a procura de oportunidades de crimes, homens enforcados, falsificadores, impostores. Esses graus atacam os homens e os levam a grilhões, mutilação, torturas e aprisionamento.
Uau.
Usando o zodíaco sideral, não é a primeira vez que eu me espanto com essas descrições de Valens. Já vi outros casos onde elas ‘batem’ com precisão, mas atenção: eventualmente, as descrições são melhoradas ou pioradas conforme os aspectos dos planetas, sendo preciso astúcia do astrólogo em perceber isso (e eu consideraria conjunções, quadraturas e oposições como os mais capazes de alterar essa interpretação).
Portanto, se você quiser usar termos, me parece melhor as interpretações dos termos no zodíaco sideral. Isso é apenas um detalhe corroborando o uso desse zodíaco, mas tenha em mente que não se lê apenas isso. Ainda não podemos dizer, com certeza, que o zodíaco sideral é definitivamente o melhor. Até porque eu já vi várias evidências de que o zodíaco tropical pode ‘funcionar’ também...

Parâmetros diferentes mudam o julgamento? Astrologia Clássica na Itália.

Parâmetros diferentes mudam o julgamento? Astrologia Clássica na Itália. Um exemplo do exposto Conclusão, (como sempre, temporária…)...