6 de dez. de 2019

Astrologia de 2000 anos atrás no Greek Horoscopes

Não é difícil encontrar no scribd o livro Greek Horoscopes (GH), e já advirto que é uma mistura de revelação com decepção.


Primeiro, preciso apresentá-los ao Greek Horoscopes... Trata-se de uma coletânea de mapas e de suas interpretações, editadas por céticos em astrologia, Otto Neugebauer, que achava astrologia uma baita charlatanice. O interesse de Otto era histórico e astronômico. Morreu sem ver que seu legado foi aproveitado nos círculos esotéricos.

A parte reveladora do conteúdo do texto está em saber que algumas técnicas pouco empregadas hoje eram mais comuns no primeiro século depois de Cristo, quando a astrologia helênica estava bombando, e decepção porque os julgamentos astrológicos são pequenos, geralmente usando apenas as posições e aspectos dos planetas, sem nada de lotes, dodekatemorias, antiscias ou qualquer outra coisa que você tenha conhecido quando estuda astrologia.

Sim, os julgamentos eram assombrosamente simples. Apenas com a lua, o astrólogo dizia sobre várias áreas da vida. Falava de fama, morte, número de irmãos, sendo que, na maioria dos casos, não levava em conta sequer quais casas ela regia! Em parte, isso é bom, porque mostra na prática algumas técnicas que lemos em alguns livros e que não temos coragem de praticar, em parte porque nossa razão costuma rejeitar.

E Doriforia... Como tem interpretação de Doriforia explicando porque o dono do mapa tinha poder, era famoso à época, etc. Se você ler o GH e não aprender a usar as malditas Doriforias, precisa voltar às aulas de inglês.

A leitura do GH serve pra ver também quais técnicas eram mais difundidas à época. Pode esquecer Ptolomeu, porque parece que Valens estava na crista da onda. Não ele em si (que poderia ter sido um anônimo que gostava de astrologia). Quero dizer que uma das técnicas citadas por Valens era superpopular à época, a técnica das ascensões conjugadas aos anos menores dos planetas.
E, com essa introdução ao GH, vou lhes mostrar como era procurar um astrólogo no primeiro século da Era Comum.

Identidade, CPF, e mapa natal no bolso.

Quando você nascia, algum astrólogo registrava o Ascendente (por observação do tempo, do sol ou de alguma estrela fixa) e as posições dos planetas num papiro/pergaminho, e você guardava aquilo a vida toda, como uma certidão de nascimento. Daí, toda vez que tinha alguma dúvida, pegava o papelzinho, colocava na túnica e levava pra um astrólogo.

A maioria dos papiros sobreviventes tinha essa apresentação. Vou dar o meu mapa de exemplo:

Ascendente Áries (às vezes, nem colocavam o grau!)
Lua 02 Touro
Sol 06 Áries
Vênus 20 Aquário
Mercúrio 21 Peixes
Marte 11 Libra
Saturno 19 Libra
Júpiter 8 Escorpião
Boa sorte! (a maioria tinha isso escrito ao final)
Que Meio do Céu o quê, cara-pálida! Pode esquecer!

Quase dois mil anos depois, uma pessoa desocupada acessa sites que geram mapas instantâneos muito mais detalhados que essa porcaria. E de graça!

Claro, havia os mapas apelidados de Horóscopos Deluxe. Esses tinham os sete lotes Herméticos, desenhava-se o diagrama das casas, era um trabalho mais elaborado.

Um mapa 'deluxe'.

Com um detalhe: NENHUM dos mapas, incluindo esses 'mapas premium' tinham os graus das cúspides das casas. Dos mapas que mostravam os graus de uma casa, só continham o grau do Ascendente. Eventualmente, alguém colocava o grau do Meio do Céu também, mas eram a minoria. Essa é uma evidência de que o sistema de casas empregado era o de signos inteiros, e que os sistemas de casas quadrantes surgiram séculos depois.

Um exemplo de interpretação

A maioria dos mapas do GH é da Antologia de Valens, cuja tradução já está em domínio público na internet, portanto é melhor mostrar alguma coisa que não esteja lá. Vejamos uma eletiva (Katarche) sobre cartas, cujo raciocínio é praticamente o de uma horária cuja pergunta seria "as notícias serão boas?":
Ano de Diocleciano, 204, mês de Thoth, 7, Sábado, primeira hora do dia, chegaram cartas perturbadoras para uma certa pessoa, com tudo indo contra sua expectativa. 
A Katarche foi encontrada assim: O Sol em Virgem a 10º, a Lua em Libra 4º, Saturno em Sagitário 5º, Júpiter em Libra grau 7º55', Marte em Capricórnio 8º, Vênus em Leão 8º, Mercúrio em Virgem 25º, Ascendente Libra 0º41', Meio do Céu Câncer 0º41', Lote da Fortuna em Libra 25º, nodo norte Escorpião 2º24'. 
E encontramos Júpiter no Ascendente no grau e Vênus em Leão como regente do Ascendente (também da Lua, de Júpiter e da Fortuna, no Bom Espírito), ascendendo de manhã e aditiva em números (rápida); e encontramos sua Dodekatemoria em Escorpião. O regente associado do Ascendente, Júpiter no mesmo, também em movimento direto. 
Fui confundido por essas configurações e disse que, aparentemente, a carta era boa, mas estava errado.  Após investigar mais a fundo, descobri que Vênus, regente da casa da Katarche, não tinha reinvindicações no Ascendente.; tampouco Lua ou Júpiter e a Fortuna, por estarem interceptados por Marte, de acordo com o dito de Doroteu. E encontrei Marte e Saturno enclausurando Mercúrio, Ascendente, Lua e Júpiter, de acordo com os ensinamentos de Antigonus. Além disso, Marte estava diamétrico ao Meio do Céu e destrutivo. 
Portanto, é necessário em toda Katarche observar a interceptação do Sol e das estrelas, o enclausuramento do Ascendente e da Lua e da estrela com clamores à regência da Katarche. 

Tentando entender o raciocínio deste autor... Primeiro, quando ele diz que Vênus não tinha 'reinvindicações' no Ascendente da carta, eu só consigo pensar que ele se referia ao fato de Vênus estar, segundo seus critérios, impedida. Foi um termo que nós, astrólogos modernos que estudam textos antigos, estamos acostumados a ouvir como sinônimo de regência, e isso confunde um pouco.  Júpiter seria um regente auxiliar provavelmente por estar na sua própria triplicidade e no Ascendente, um sinal de autoridade.

O impedimento venusiano seria uma 'interceptação' de Marte, no sentido dele fazer uma oposição e um trígono aos signos que flanqueiam o signo de Vênus, Câncer e Virgem.

O autor diz também que Marte e Saturno estão  enclausurando Mercúrio, Ascendente, Lua e Júpiter (incluiria o sol, no mesmo signo de Mercúrio, mas ele se esqueceu). De fato, eles estão, mas somente se considerarmos os dois agindo juntos: marte faz um trígono ao signo anterior a Libra (Virgem) e um sextil a Escorpião (signo seguinte), enquanto Saturno faz uma quadratura ao signo anterior a Libra, mas está inconjunto ao signo seguinte a Libra, Escorpião. Só que Marte também faz quadratura a Libra (se considerarmos aspectos por signo inteiro), e isso é um impedimento mais relevante que um enclausuramento, a meu ver. Virgem estaria também interceptada ou enclausurada entre maléficos se usássemos marte e Saturno juntos.

O enclausuramento ou interceptação dos planetas é uma técnica interessante e que não damos muita atenção, mas eu acho um recurso fácil demais para provar o ponto de vista do astrólogo da maneira que ele quiser, já que cada planeta faz seis aspectos cada... Eu consideraria a interceptação relevante se os dois maléficos fizessem aspectos tensos antes e depois de uma casa, mas isso dá pano pra manga pra outro artigo.

Se a mesma horária fosse interpretada por um astrólogo medieval, Sahl consideraria que a Lua teria um testemunho maior do que o regente do Ascendente, por estar no Ascendente. Lua se aplica em sextil a Saturno mas, como Júpiter está em Libra, 'uma conjunção impede um aspecto, mas um aspecto não impede uma conjunção' (mesmo que não estejam no mesmo grau!), portanto o receptor da disposição da Lua é Júpiter, de quem marte está se separando, e portanto não aflige o grande benéfico. Se usássemos a interpretação default de horárias, ensinada por Sahl e Masha'Allah, para esta figura, ela seria boa. Eu não vejo nenhum sinal de que a carta prometeria más notícias, mas Sahl tem regras específicas para horárias de notícias que não vem ao caso aqui e posso estar usando um raciocínio correto que não se aplica ao caso.

Isso serve para aprendermos que astrólogos antigos também discordam entre si, e muito, e que as prioridades dos astrólogos árabes eram diferentes das prioridades de um astrólogo anônimo (possivelmente helênico) que seguia Doroteu, por mais que este tenha sido um autor muito reverenciado pelos árabes.

Note também que os planetas estão muito próximos uns dos outros em orbe de aspecto, exceto mercúrio, que está no final de Virgem e, mesmo assim, o autor considera a quadratura mercúrio-saturno como um outro impedimento (porque mercúrio significa escrita e cartas). Um astrólogo árabe diria que o aspecto de quadratura entre Saturno e Mercúrio é bem separativo (a orbe de mercúrio é 7°, a de Saturno 9º, e eles estão distantes de uma tal forma que nenhum influencia o outro ainda) e não implicaria um impedimento, nem mesmo 'a introdução de temores e preocupações' comuns a aspectos separativos ainda na orbe de influência.

Conclusão

Sempre é bom ler coisas que nos tirem da zona de conforto, pois assim podemos separar o joio do trigo e introduzirmos mais técnicas nas nossas práticas. Ler o GH é uma boa maneira de fazer isso, com a vantagem de ser um texto contendo interpretações e exemplos de aplicação de técnicas.

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