Estrelas fixas: métodos de interpretação

Basicamente, existem três modos de se interpretar uma estrela fixa:

1. Pela natureza planetária da estrela;
2. Pelo mito associado a ela;
3. Pela coletânea de testemunhos de autores que pesquisaram o tema.

As duas primeiras são poderosas. Elas mostram coisas relevantes, e não historinhas bullshit pra consolar consulente. Nada daqueles papinhos merda de astrólogo despreparado pra aliviar ansiedade de quem não tem problemas sérios na vida. O que as estrelas revelam são coisas muito presentes nos assuntos cujos pontos representantes as tocam, que marcam (ou marcarão) a carne, a alma e a memória do consulente, seja para o bem, seja para o mal... 

Muita gente quer saber o que faz, numa delineação astrológica, a pessoa ser lançada a alturas estratosféricas, ou a infernos abissais. Vettius Valens diz que pessoas com suporte ou alicerce fortes da natividade - algo que ele se refere como hupostasis, uma palavra impregnada de significados filosóficos - podem ter essas oscilações bruscas na vida. Tipo Adolf Hitler, que oscilou de quase mendigo até anos depois virar Führer. Entretanto, Valens não fala muito bem o que determinaria essa hupostasis. Talvez um exame acurado e um julgamento bem sintetizado dos regentes da triplicidade do luminar do séquito, combinado ao estudo do lote da fortuna e do seu regente. Entretanto, às estrelas fixas, normalmente se reputa o papel de indicar uma forte hupostasis. Seriam uma das coisas a serem examinadas para se entender a amplitude na qual o nativo pode se lançar na vida. Literalmente, elas são os primeiros elementos a serem examinados no capítulo sobre riqueza do livro de astrologia natal de Sahl Ibn Bišr. 

Como tudo na astrologia, apenas a interpretação delas não será suficiente para explicar essas coisas, mas elas ajudam, e muito, seu entendimento. Assuntos como fama, riquezas, mas também desgraças, são as principais coisas, mas não se restrigem a apenas eles. Se o mapa não fala nada de uma área que experimentou drama na vida da pessoa - altos e baixos vertiginosos - experimente incluir as estrelas fixas. Alguns mistérios da interpretação - coisas que você sabe da vida do nativo, mas que não encontra no mapa - se revelarão.

Se uma estrela estiver em conjunção estreita (menos de 2˚, e de preferência menos de 30' de arco) com um ponto do seu mapa (Ascendente, Meio do Céu, Fundo do Céu, Descendente, planetas ou lotes) e você não consegue vê-la em ação, cada dia mais eu vou percebendo que isso não significa que ela "não funcionou", mas sim que você ainda não achou uma interpretação relevante para explicar sua vida. Confia no pai: cada dia mais, eu acho que toda estrela que obedeça ao requisito acima tem algo importante a representar na sua vida. Você pode ainda não tê-la encontrado, mas ele existe.

Leitura da estrela pela natureza planetária

Vem de Ptolomeu (e pode ser mais antigo) a ideia de se decodificar a influência de uma estrela no significado de um ou dois planetas. Isto é chamado de natureza planetária. É um conceito muito útil, um ponto de partida para se começar a interpretar uma estrela. Pena que só é disponível para estrelas com relatos mais "antigos" na história da humanidade, isto é, aquelas mais visíveis a olho nu em condições atmosféricas minimamente decentes.

Por exemplo, a estrela Algol tem a natureza de Júpiter e de Saturno. Com isso, queremos dizer que esta estrela está ligada ao significado da combinação dos significados de ♃ e de ♄. 

Uma maneira de saber o que seria consiste em ver as interpretações da conjunção ou dos aspectos entre esses dois planetas. Veja o que representaria uma ☌ ♃/♄, segundo Firmicus Maternus (e ele não difere em nada da tradição):

Se estão em lugares favoráveis ​​de nascimento, nos signos ou graus em que se regozijam, dessa união vem uma grande prosperidade, um aumento de patrimônio, os privilégios de um bom nome, recursos de boas qualidades que não falham, uma prole feliz, especialmente se a genitura é diurna. No entanto, se Marte os atingir com um raio hostil de um lugar mais alto, todas essas coisas serão alteradas pela radiação desfavorável.

Vejam só... A estrela Algol, com uma reputação desagradável de significados malignos e frequentemente associada a desgraças e a execuções, pode ser associada a coisas... boas! Algol pode ser uma estrela associada a riquezas e a heranças. 

Quem fez a fama ruim de Algol foram leituras de autores como William Lilly e Morin de Villefranche. Morin morria de medo de direções primárias envolvendo Algol, e ele não está errado. Só que a estrela pode ter outros papeis representativos além de desgraças. Existem vários casos nos quais Algol não lembra nem a sombra daquilo que Morin falava nos seus textos. De fato, um olhar mais atento ao que está nos livros mais antigos nos ensina que Algol pode indicar eventos muito violentos, mas para isso é necessário o testemunho de ♂ em aspecto tenso.

E talvez você esteja se perguntando... De onde Morin e Lilly tiraram os significados ruins de Algol? Isso fica claro quando percebemos que a estrela é a cabeça de um monstro, chamado pelos gregos de Medusa, e pelos árabes de Ogro. "Algol" nada mais é do que "O Ogro". Por isso, também precisamos saber o mito ao qual a estrela se associa.

Leitura da estrela pelo mito associado

Em se tratando de estrelas usadas na astrologia, toda estrela faz parte de uma constelação, e toda constelação possui um mito associado. Conhecendo-se o mito,  percebe-se similaridades entre ele e a história da pessoa. Às vezes, as coincidências chegam a ser superficiais - como se a vida da pessoa tomasse do mito alguns elementos literais. Em outros casos, a adaptação não é tão literal, se percebendo apenas similaridades metafóricas. 

Chegamos à atualidade com a disponibilização na internet de uma penca de mitologias de povos diversos, é só pesquisar. Uma rápida zapeada pela internet brasileira e descobrimos as mitologias dos povos originários do nosso território. Mas o que tem sido feito com as estrelas fixas na literatura obviamente depende da mitologia grega. Ninguém fica explorando o que esta ou aquela estrela representava para os chineses ou os indianos. Talvez essa mitologia "funcione melhor" do que outras por ter influenciado de sobremaneira a civilização ocidental. Ou simplesmente as outras mitologias podem funcionar tão bem quanto a grega na astrologia que praticamos, mas ainda somos ignorantes. O céu é muito vasto, e nossas vidas são muito breves para se saber tudo.

Quem vai por esse caminho de leitura mítica é John Frawley e Oscar Hofman. Indo por esse estilo de interpretação, é capaz de você achar coincidências surpreendentes. Na verdade, Hofman combina a natureza da estrela com uma leitura arquetípica de interpretação dos símbolos, algo que lembra Jung. 

Vamos primeiro mostrar um caso no qual as similaridades podem ser gritantes, não precisando ser nenhum crítico literário ou analista semiótico pra tropeçar nelas. Este exemplo eu dei há três anos atrás, no Facebook:

Esta pessoa possui um aglomerado de sete projeções de estrelas próximas do grau do Ascendente. 

Este celeuma pode aparecer vez ou outra quando lidamos com estrelas fixas: ter o grau do ponto estudado próximo de duas ou mais estrelas. Se já temos dificuldade em interpretar uma, quiçá sete! 

Pra começo de conversa, ter um grau iluminado por tantas estrelas próximas, pra mim, é promessa de eminência ou fama. Como ele vai realizar essa promessa depende da leitura natal. 

Em casos assim, não existe essa coisa de "a interpretação da estrela X vence". Todas as estrelas podem ser percebidas na vida desta pessoa, em maior ou menor grau. Entretanto, numa delineação mais concisa e mais relevante, devemos priorizar estrelas que atendam a um dos três critérios:

1. A estrela que mais brilha
2. A estrela com a latitude mais próxima
3. A estrela com a menor distância zodiacal do ponto estudado

No exemplo acima, a projeção da estrela Capella está conjunta ao Ascendente com orbe de 1˚22'. Não é o ideal em se tratando de orbe estreita. Idealmente, a orbe ideal é de menos de 17 minutos de arco para se sentir os efeitos mais notáveis. 

Além da orbe não ser a ideal, dentre todas as sete estrelas próxima ao ascendente desta pessoa, Capella não é a mais próxima da eclíptica. Sua latitude é 22˚N. Menos um ponto a favor.

Entretanto, do aglomerado de projeções estelares em torno deste Ascendente, Capella é a estrela mais brilhante, com magnitude 0,2. Talvez por isso se percebam na vida desta pessoa alguns elementos quase literais do mito de Auriga, constelação da qual Capella faz parte.

Existem três mitos gregos associados a Auriga, mas apenas um deles nos interessará neste caso, que identifica Auriga como o herói mitológico grego Erictônio de Atenas.

Criado por Atena, mas filho ctônico de Hefesto, Erictônio foi creditado como o inventor da quadriga, a carruagem de quatro cavalos que ele usou na batalha contra o usurpador Anfictião, evento que fez dele o rei de Atenas. Sua carruagem foi criada à imagem da carruagem do Sol, a razão pela qual Zeus o colocou nos céus. O herói ateniense então se dedicou a Atena e, logo depois, Zeus o levantou para o céu noturno em homenagem à sua engenhosidade e atos heróicos. Outras fontes dizem que Erictônio tinha um "defeito" nas pernas e que sua carruagem o ajudava a escondê-las. 

O mapa acima é de ninguém menos que Roberto Carlos. 

Na infância, Roberto sofreu um acidente que o fez amputar sua perna, usando uma prótese desde então. Esse acidente é relatado em "O Divã", música que acho linda, surpreendentemente psicanalítica, que ele nunca canta em seus shows (possivelmente devido ao seu transtorno obsessivo compulsivo, que inclui manias como sair pela mesma entrada de qualquer prédio, cortar o próprio cabelo e nunca usar marrom). 

Da mesma forma que Erictônio, Roberto esconde sua deficiência por intermédio de uma prótese, por evitar falar a respeito na mídia e por proibir qualquer biografia não autorizada - atitude contra producente também assumida por outros medalhões da música, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, através do movimento Procure Saber. Roberto também é um adorador de carros (tem uma coleção de carros de luxo, o equivalente moderno das carruagens) e, assim como o homem do mito, também foi proclamado rei.

Está liberado achar que tudo acima é uma coincidência. Mas gente séria estuda essas coisas e vê tantos casos repetindo essas "coincidências" que a coisa fica séria demais pra passar despercebida.

Mas não é apenas Capella que se percebe. Das sete estrelas influenciando o Ascendente, duas delas tem latitudes bem baixinhas, próximas da eclíptica: El Nath e Al Hecka, ambas da constelação de Touro*. Portanto, essas estrelas devem ter também sua interpretação priorizada. 

Apesar do tópico ser sobre mito, aqui nós vemos mais uma vez a natureza planetária entrando em ação. Seria contraproducente não relatar para vocês esses achados. Essas duas estrelinhas tem a natureza de ♂. Apenas sabendo desta informação, já podemos deduzir que o mapa em questão predispõe a algum acidente. Por mais que algum autor atribua a estas estrelas outros significados marciais (como, por exemplo, crueldade ou comando militar), não recomendo que você se fie apenas nessas interpretações específicas. A leitura da natureza planetária de uma estrela, a meu ver, deve contemplar todos os significados planetários possíveis, e a especificação deve vir pela leitura do mapa. 

Para confirmarmos se essa estrela representa acidentes, é preciso checar a natividade, porque muitas pessoas podem ter uma estrela de natureza de ♂ conjunta ao Ascendente e não sofrer acidentes. Eis que vemos a ☽, um dos significadores do corpo físico, em ☌ a ♂, ambos no signo de ♒, que representa as pernas!

Como prometido, eu falei que a vida do nascido que tem a estrela em conjunção com um ponto do seu mapa pode assumir algumas coisas que constam no arquétipo, às vezes de um modo literal. 

Leitura da estrela usando testemunhos coletados pelos autores estudiosos

Este tipo de leitura se baseia no que autores consagrados encontraram ao estudar o tema. Tais achados podem não ter nada a ver com o que a tradição fala das estrelas, nem com sua natureza planetária; porém,  em muitos casos, os autores modernos tendem a corroborar o que já estava na tradição - talvez um viés de confirmação, isto é, quando as pessoas só se preocupam em achar aquilo que procuram, ignorando qualquer outra coisa relevante pelas quais elas não esperavam.

Os autores renomados do meu conhecimento (ou aqueles que produziram alguma literatura minimamente decente sobre estrelas fixas) são os seguintes:

• Vivian Robson
• Elsbeth Ebertin
• George Noonan
• Eric Morse
• Bernadette Brady
• Oscar Hofman

Dentre todas as maneiras de se estudar as estrelas fixas, acho esta a mais improdutiva. Você deve entender o termo "improdutivo" aqui em termos relativos, e não absolutos. Pode-se aprender coisas muito proveitosas nesse estilo de aprendizagem, mas eu não tenho muita sorte com ele e acho que a leitura baseada nas naturezas e no arquétipo da constelação rendem mais. 

Autores modernos fazem com frequência as seguintes tendências: 

1. Reafirmar aquilo que você pode deduzir pela interpretação da constelação ou da natureza planetária da estrela;
2. Dar evidências anedóticas do que representa a conjunção de uma estrela com um planeta, interpretações estas que serão difíceis de se perceber no mapa do seu cliente (possivelmente porque dependem de configurações muito específicas do exemplo que o autor estudou);
3. Trazer significados mais metafísicos das estrelas fixas, como lições a serem aprendidas pelo arquétipo da constelação ou da natureza planetária - um caminho que vai pelo mesmo problema acima, e se esses conselhos dependem de configurações específicas se aplicam apenas ao mapa estudado pela autora?

Apesar das minhas críticas, nunca é vantajoso ser ignorante. Da lista acima, tenho três livros, e pretendo comprar todos. Só quero que vocês saibam que, mesmo lendo toda a lista acima, vocês não vão sair por aí interpretando todas as estrelas que aparecerem. Já desisti desta ilusão. O que vai dar um salto no seu aprendizado é pensar por si mesmo a partir de algumas informações contidas nos livros mais antigos, (como as naturezas planetárias de cada estrela e a história de cada mito). 

Exemplo de que pensar por si mesmo vale a pena.

Vejam como é a minha memória...  Queria usar este mapa como exemplo do tópico anterior (de coisas que podemos aprender lendo livros de autores renomados), mas na verdade ele se encaixa melhor como um exemplo do que podemos obter pensando e juntando tudo que sabemos sobre estrelas fixas. 

Este exemplo está no mapa de um cliente, que tem seu anonimato e seu mapa inteiro preservados:

O dono desse mapa possui a estrela - na verdade, a "Galáxia do Redemoinho" M51 - Copula, da natureza de ☽ e de ♀, conjunta a ♃, a menos de 30 minutos de orbe. A meu ver, Galáxias podem ser interpretadas como Nebulosas (por exemplo, Praesepe é uma nebulosa), indicando problemas de visão ou assuntos que precisam ser escondidos, cercados por mistério ou silêncio.

Copula faz parte da constelação dos Cães de Caça, (Canes Venatici) o que, segundo Vivian Robson, pode significar "amor pela caça e uma mente penetrante, tornando aqueles que nasceram sob ela fiéis, astutos, inteligentes e apaixonados por especulações". Dá pra ver claramente que essa é uma leitura inspirada no arquétipo: cães de caça são fieis, são ágeis, e a caça sempre foi vista como um jogo (inclusive, o produto da caça, a presa abatida, é chamado de game pelos ingleses). Tudo isso se pode ver claramente na interpretação de Vivian. 

Dizem que essa estrela indica paixões profundas, dada a natureza de ♀ e da ☽. Além do mais, podemos fazer uma ponte deste significado com o significado da constelação ao perceber que cães são eternamente fieis aos seus donos. Entretanto, ainda usando a natureza da estrela, podemos deduzir outras coisas. Uma delas é que a estrela indica necessidades sexuais muito intensas, porque ♀ representa sexo e a ☽ representa necessidades fisiológicas e compulsões em casos extremos. 

Quando se usa a natureza planetária da estrela, a leitura pode ser relativamente isolada do que a constelação significa. Digo "relativamente" porque, dentro desta leitura de naturezas planetárias, pode-se perceber ainda alguns ecos do significado da constelação. 

Em outras palavras: eu não precisava saber que Copula está na constelação dos Cães de Caça para fazer esta interpretação sexual, mas podemos fazer uma ponte com essa informação. Na astrologia, signos com imagens de mamíferos quadrúpedes são associados a comportamento sexual excessivo, amoral e desavergonhado - o que pode ser entendido em frases como "eles copulam como animais, uns com os outros, não se importando com o que se falam deles, nem se há público ou não, ". A mesma coisa poderia ser associada a constelações com imagens de animais e que tenham estrelas de natureza de ♀/☽.

Neste mapa, Copula está em ☌ com ♃. Somando esta influência à casa onde ♃ se encontra, e à sua regência natal, o que teríamos? ♃ rege a casa 7, dos relacionamentos e do sexo, está na casa 6 e nos termos de ♀. A casa 6 indica pessoas em situação socialmente mais desfavorável e está ligada a questões públicas. A casa 6 também seria o gozo de ♂, planeta que representa prostituição pública - isto é, pessoas que se engajam na vida pública em prostituição não ocasional. Combinações associadas a erotismo (♀) ou à casa 7 e que estejam aqui podem sugerir envolvimento frequente com prostituição. Este homem tem uma frequência muito grande em se relacionar com prostitutas, preferindo isto mais do que ter relacionamentos sérios. Ter o regente da 7 em ☌ com Copula é apenas mais uma informação que corrobora os outros testemunhos já encontrados.

Quando eu vi o mapa deste cliente, ninguém me disse que Copula indicava comportamento sexual excessivo ou nebuloso. Entretanto, uma leitura compreensiva dos símbolos envolvidos torna possível tal interpretação. Esta é a melhor consequência do estímulo à reflexão: descobrir coisas nunca mencionadas, mas que são óbvias. 

Notas de Rodapé

*Isto é óbvio em se tratando de constelações próximas da eclíptica. Esta proximidade das constelações foi o provável motivo dos nomes dos signos do zodíaco. As constelações com latitude zodiacal baixa acabaram sendo a inspiração dos nomes dos signos próximos delas à época da criação do conceito. O signo de "Touro" só tem esse nome porque a constelação do Touro passava por ali na época em que criaram o conceito... Devido à precessão dos equinócios, hoje as estrelas da constelação de Touro se projetam sobre o signo de Gêmeos.