4 de dez. de 2019

Jeffrey Dahmer e a descrição dos termos e faces do Ascendente

Jeffrey Dahmer foi um cidadão americano que estuprou, matou e comeu (literalmente) cerca de 17 meninos e homens, principalmente entre 1989 e 1991. Foi preso, aceitou Jesus e terminou assassinado dentro da cadeia (por um psicótico) em novembro de 1994. Apesar do ódio que uma figura dessas provoca na opinião pública, lendo sua biografia não é impossível ter alguma compaixão do homem, claramente doente, que tentava parar de escutar as alucinações com álcool, e cujo destino poderia ser totalmente diferente se recebesse um cuidado mais intensivo.
Aqui está o seu mapa natal tropical:

E o sideral:
O mapa de Jeffrey é recorrentemente citado por um blog muito bom de astrologia helenística, o Seven Stars Astrology. Independentemente de discordar de Anthony no modo como ele conduziu esse assunto, o blogue sempre será uma referência para mim de boa astrologia para mim. E talvez, um dia, eu conclua que estava errado.
O mote principal dos artigos que citam Dahmer é a proeminência cabeluda de planetas nos próprios domicílios no zodíaco tropical do mapa do serial killer. Se isso não é um Raja Yoga, eu não sei que seria. O cara tem Vênus em Touro, Mercúrio em Gêmeos, Marte em Áries e Saturno em Capricórnio! Saturno está angular, e seus aspectos com outros planetas domiciliados o colocaria no primeiro tipo de Doriforia, quando um planeta domiciliado está angular e em aspecto com outros planetas domiciliados - no caso, marte em Áries.
Apresentado o mapa e, após o susto inicial do iniciante ao ver seus conceitos dados como certos caindo por terra, entra em cena uma discussão cercada de relativizações que, se fossem parte daquele brinquedinho de bebê, seriam como tentar encaixar o quadrado no buraco do triângulo. Fala-se muito no que representaria um planeta em domicílio, se ele indicaria coisas boas, se indicaria poder sem questões morais envolvidas (portanto, um marte domiciliado seria forte e não necessariamente ético), ou se, de acordo com a opinião de alguns astrólogos medievais como Abū Maʿšar, simplesmente indicaria familiaridade, ou seja, significaria coisas cuja origem seja familiar a pessoa.
A solução de Anthony para mostrar que o buraco é mais embaixo é incluir a Dodekatemoria dos planetas, o que, segundo ele, torna mais clara a interpretação de que, a depender das circunstâncias onde nasceria, seu mapa não poderia dar muito certo.
A solução de Anthony é boa, tradicional, sóbria, mas inclui mais nove pontos numa interpretação que já é difícil. Eu não acho que as Dodekatemorias não funcionam mas, meu Deus do céu, será que temos de incluir mais nove pontos no mapa para se chegar à essência da pessoa? Será que já não teríamos um vislumbre disso olhando inicialmente para os planetas? Eu nem digo a verdade inteira, apenas um vislumbre pra mim já seria bom! Quantas vezes Vettius Valens, nas suas dezenas de mapas de exemplo, usa a Dodekatemoria? Eu não consigo me recordar aqui de uma sequer.
A despeito da questão do zodíaco certo ser tropical ou sideral (e no sideral, as dignidades planetárias do mapa de Dahmer mudariam radicalmente e todo esse blábláblá de planetas domiciliados seria em vão), considero a discussão sobre o conceito de planeta domiciliado importante, e analisar esse mapa foi uma boa oportunidade de refletir sobre esse conceito fundamental para a astrologia.
Para muita gente, nem é uma questão saber qual zodíaco é o correto. Tal qual uma escolha dogmática, se escolhe um dos zodíacos e segue sua vida como astrólogo. Reitero aqui que não faz diferença alguma na minha vida de astrólogo descobrir que um zodíaco funciona melhor que outro.
Espremendo o suco da literatura astrológica.
Enquanto estudante de astrologia, eu me sinto um pouco decepcionado quando vejo a multiplicidade de interpretações e técnicas dos antigos que não são postas em prática por nós. São verdadeiros manuais de interpretação, considerados anacrônicos para nossa realidade. Daí eu me pergunto: seriam essas interpretações impossíveis na nossa realidade por serem anacrônicas demais ou será que elas não funcionam por serem vistas sob um background teórico errado? Se a segunda hipótese for a correta, qual seria o quadro de referência correto? É aí que entra a questão do zodíaco sideral versus tropical, novamente!
Quem não tem muito acesso aos livros seminais da astrologia tradicional - falo de Valens, Firmicus Maternus e Hephaistion de Tebas, principalmente - acha que não existem interpretações dos termos, decanatos e dos planetas nos signos, mas tem sim, e muito! E o estudante ficaria perplexo que essas interpretações podem funcionar ainda na nossa realidade. E, quando eu falo de funcionar, falo dela fazer um resumo penetrante da vida da pessoa. Nada com o qual a pessoa se identifique vagamente. É algo sintético, mas profundamente descritivo daquilo que define o destino da pessoa e a torna conhecida, ainda que entre poucos.
É aí que entram dois livros. O primeiro, a Antologia de Valens, é muito citado, mas parece que as pessoas só querem saber dele para aprender Regentes das Triplicidades dos luminares, Lote da Fortuna e Liberação Zodiacal do Espírito. Dos nove livros deixados por Valens, maioria aproveita apenas dois deles. Por que será?
O segundo livro nem é muito citado, mas retém a uma das poucas interpretações dos decanatos (ou faces) que podemos acessar em língua moderna hoje. Falo do primeiro livro do Apotelesmatica, de Hephaistio de Tebas.
Vamos pegar o grau do Ascendente de Dahmer e ver a interpretação dos termos e faces onde ele se encontra, tanto no zodíaco sideral quanto no tropical. Apesar de ser um caso apenas, acredite, ele não é isolado. Sugiro que você pegue dez mapas de pessoas que você conhece bem, e faça o mesmo, tanto no zodíaco sideral quanto no tropical. São dez pra te convencer pois, estatisticamente, é um número desprezível.
Lembre-se também de que a astrologia nunca opera com fatores isolados, e o aspecto dos planetas pode piorar ou melhorar a interpretação que esses dois autores descrevem. No caso de Dahmer, o Ascendente está em quadratura com Saturno e Júpiter, e em oposição a Marte e à Lua Minguante, considerada maléfica em mapas diurnos, e em conjunção a marte! Com apenas um benéfico para contrariar a ação de três planetas maléficos, a coisa não tá fácil...
E agora, vejamos a face do Ascendente nos dois zodíacos. Começando pelo zodíaco tropical, eis o segundo decanato de libra (tropical) segundo Hephaistion:
Quem nasceu no segundo decanato será brilhante, rico, dominador, aquele que deixa sua casa por expectativas e honras e presentes reais, mas acabará com uma boa companhia, terá o nascimento de crianças, fará descobertas e assistirá ao crescimento das crianças. Os sinais deste decanato: será de tamanho mediano, rosto escuro, cabelos finos, terá uma marca sobre seu peito e outra sobre o abdome, e será oprimido por este decanato. Períodos críticos aos 8, 11, 13, 35, 40, 57, 62, 73 e 87 anos.
Em resumo, uma pessoa que sai de casa com altas expectativas, não as realiza mas termina bem, com uma família. Típica descrição do average man. Sendo Dahmer gay, dócil, solteiro e rejeitado até pela avó, não temos como aceitar essa interpretação.
Agora, a descrição para o terceiro decanato de Virgem (sideral):
Aquele nascido no terceiro decanato será rico e educado; temperado, justo, aquele que cuida da sua própria vida, piedoso, generoso, com sucesso; sofrerá pelas crianças e mulher, mas terá um bom fim. Sinais desse decanato: estatura média, cabeça pequena, cheiroso; não lhe faltará pão até sua morte. Viverá pouco e morrerá pela espada. Períodos críticos desse deus são 8, 17, 23, 34, 41, 65, 73, 85.
Essa interpretação parece não ter nada a ver com Dahmer, mas com 34 anos, ele morre assassinado na prisão, sendo este um dos anos climáticos dados por Hephaistio. Lembre-se de que ainda não falamos da sua personalidade e de que essas interpretações são modificadas pelos testemunhos dos planetas! Talvez seja necessário uma biografia ou um documentário para mostrar essas nuances mais de perto, a fim de colaborar ou rejeitar essa interpretação, mas aqui temos uma noção de que ele era considerado aparentemente... temperado. Não pelas suas vítimas, claro:
Jeffrey Dahmer, empregado numa fábrica de chocolates, era para todos um " bom rapaz ", afável, interessado em competições desportivas, e que morava ali apenas há ano e meio, vindo de casa de uma avó, residente também em Milwaukee.
Comparando a interpretação sideral com a tropical: ambas não são lá muito boas, mas a sideral ganha, por duas razões: mostra Dahmer como uma pessoa tranquila (pelo menos, na maior parte do tempo), diz que ele morrerá cedo e de forma violenta.
Hephaistio pega bem mais leve que Valens, que veremos a seguir. Talvez aqui haja a intromissão do estilo de escrita do autor: enquanto Valens parece definir a vida das pessoas pelos seus atos climatéricos (os eventos mais intensos e importantes, sejam eles bons ou ruins), Hephaistio tenta descrever a vida inteira da pessoa. E até mesmo o pior dos criminosos não passa 24 horas do dia matando e planejando crimes. Como ela se comporta? Como ela é considerada? Como é a vida dela em família? Pablo Escobar manteve seu núcleo familiar razoavelmente coeso até sua morte, mas era o fucking traficante colocado no ranking da revista Forbes como um dos homens mais ricos do mundo, por anos!
Vamos ver a descrição dos termos por Valens, quando a coisa fica mais... Tarantinesca. Valens não pega leve. Primeiro, o zodíaco tropical (esta é até 'suave'):
O terceiro termo (de Libra), 8º, pertence a Júpiter: produz fortuna mas, a despeito disso, esse termo é característico de homens azarados, que tristemente acumulam suas posses, vivendo sem ostentação, com um estilo de vida sórdido, sem apreciação da beleza, muito críticos dos outros, e, claro, não abençoados com crianças.
Em resumo, segundo a descrição dos termos de libra, Jeffrey era um pão duro frugal disfórico que não teve filhos. Acumular posses, ele até acumulava sim: os cadáveres no porão de onde morava e na sua geladeira, mas eu acho que, astrotecnicamente, não poderíamos considerar isso como bens materiais...
Os aspectos de maléficos poderiam piorar essa interpretação de pão duro, mas não no sentido de transformá-lo num assassino. Um aspecto de maléficos piora a qualidade do evento, mas não a altera. Portanto, a menos que o traço de pãodurice fosse marcante na sua personalidade, a ponto de ser citado por terceiros, essa descrição é pouco adequada. Soma-se a isso que, como o estilo de Valens resume o destino da pessoa pelos seus atos mais intensos, aonde está a perversidade? Aonde está a violência?
E, por falar em maléficos, agora o Ascendente dele nos termos de marte em Virgem, no zodíaco sideral:
O quarto termo (de Virgem), 7º, pertence a Marte: masculino, cruel, público, demagogo, vagam a noite a procura de oportunidades de crimes, homens enforcados, falsificadores, impostores. Esses graus atacam os homens e os levam a grilhões, mutilação, torturas e aprisionamento.
Uau.
Usando o zodíaco sideral, não é a primeira vez que eu me espanto com essas descrições de Valens. Já vi outros casos onde elas ‘batem’ com precisão, mas atenção: eventualmente, as descrições são melhoradas ou pioradas conforme os aspectos dos planetas, sendo preciso astúcia do astrólogo em perceber isso (e eu consideraria conjunções, quadraturas e oposições como os mais capazes de alterar essa interpretação).
Portanto, se você quiser usar termos, me parece melhor as interpretações dos termos no zodíaco sideral. Isso é apenas um detalhe corroborando o uso desse zodíaco, mas tenha em mente que não se lê apenas isso. Ainda não podemos dizer, com certeza, que o zodíaco sideral é definitivamente o melhor. Até porque eu já vi várias evidências de que o zodíaco tropical pode ‘funcionar’ também...

2 comentários:

  1. Amigo, você utiliza o zodíaco sideral e o interpreta a partir da tradição ocidental? Obrigada.

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