29 de abr. de 2020

O Dossiê Almutem

Hoje resolvi sentar pra escrever sobre um tema que me incomoda há muito tempo: as controvérsias dentro da astrologia medieval sobre o uso do Almuten, (que também pode ser chamado de Almutem ou Al-mubtazz).
Al-mubtazz (transliteração mais fiel ao árabe) significa 'o vitorioso'. É o planeta com maior autoridade para definir um tema.
Primeiramente, é preciso saber em que consiste esse conceito de vitorioso dentro da astrologia. Tudo se resume a síntese. Um almuten seria um planeta que sintetiza uma determinada área da vida. Seria a expressão mais fidedigna e resumida de como seria a vida da pessoa em determinada área.

Por exemplo, se eu tenho marte como regente da 7, ou se marte está na casa 7, eu posso concluir que os relacionamentos da pessoa são conflituosos, ou que o parceiro é violento, ou que o parceiro se submete a risco de vida numa frequência maior do que a maioria das pessoas. Essa tônica do relacionamento e do parceiro seria a predominante nos relacionamentos. Em outras palavras, o planeta que define essas características - marte, no exemplo - seria o vitorioso sobre todos os demais dentro do tema casamento. Se você pudesse resumir a vida íntima da pessoa, seria na forma de marte.

Muito simples, porque temos nesse exemplo apenas um planeta na casa 7. Agora, quando temos vários planetas numa mesma casa, ou uma casa vazia...

...Nem sempre resumir é simples.

Talvez você esteja pensando: "ora, um tema seria indicado pelo regente da casa e/ou pelos planetas que ocupam a casa". Numa era pós Morin de Villefranche (que ajudou muito a todos nós com seus princípios de interpretação, mas simplificou grosseiramente a astrologia), você pode estar até correto.

Para os árabes, bizantinos e gregos, não. Isto porque um assunto normalmente é representado pelos seguintes pontos:
  • A casa
  • O regente da casa
  • Planetas que ocupam a casa
Até aí, nada diferente de Morin. Só que eles viam mais:
  • O Lote que tem a ver com o assunto da casa
  • O regente desse lote
  • O significador essencial do assunto referido à casa.
Como você viu, existem em média seis pontos que possuem relação com um assunto. Segundo ʿUmar ibn al-Farruẖān, há que se eleger um planeta vitorioso sobre todos esses pontos, um planeta capaz de resumir como a vida da pessoa é naquele assunto.

É aí que o bicho começa a pegar, porque há mais de uma variação no algoritmo para se eleger esse vitorioso.

Vamos dividir o método em dois passos. "Só dois passos? Então é fácil". Quem me dera...

Primeiro passo e suas variações entre autores

O primeiro passo consiste em enumerar os regentes de todas as dignidades, de todos os pontos referentes ao assunto, e ver qual planeta tem o maior número de dignidades.

Só nesse primeiro passo, há duas variantes do cálculo: Ptolomeu não pondera a soma, porém autores como Alcabitius atribuem peso à pontuação de cada regente.

Segundo Alcabitius, o regente domiciliar tem cinco pontos, o da exaltação 4, das triplicidades 3, dos termos 2 e da face 1. Cada dia mais os estudiosos tendem a considerar essa variação como tardia e sem importância.

Ainda dentro do primeiro passo, há autores que ignoram uma dignidade, levando em consideração outra, que não é propriamente uma dignidade: autores mais fiéis a Ptolomeu tendem a desconsiderar a dignidade de face e dar peso a qualquer planeta que simplesmente aspecte um dos pontos (e aqui, novamente a introdução de mais uma polêmica, se deveríamos considerar os aspectos por signo inteiro ou por grau).

Segundo Passo (a controvérsia ainda não acabou)

Após essa contagem tediosa de pontos (felizmente, programas como Solar Fire fazem isso automaticamente, desde que você o programe para tal), teremos um ranking de planetas.

A priori, o planeta com o maior número de dignidades sobre todos os pontos referentes ao tema seria um al-mubtazz, independentemente de onde ele estiver no mapa e do seu estado cósmico. Mas aí entra outra variação do procedimento.

Confesso não saber de onde ele tirou isso, mas Robert Zoller diz que o almuten em questão pode estar em mal estado: retrógrado, cadente, combusto, aflito, etc. Nesse caso, este planeta seria incapaz de levar os assuntos que representasse adiante. Seria a área da vida da pessoa fracassada e/ou inexistente. Quando isso acontece, segundo Zoller, pode-se recorrer ao segundo lugar nesse 'ranking', se ele estiver em melhor estado do que o primeiro.

A eleição de um almubtazz levando-se em conta não apenas o número de dignidades, mas também seu estado cósmico, sugere que qualquer assunto na vida da pessoa tem uma probabilidade maior de se manifestar e ter sucesso do que o contrário, porque sempre se escolheria o melhor planeta relacionado. Seguindo esse procedimento, para que almubtazz escolhido seja muito ruim, os planetas em segundo e em terceiro lugar devem estar piores do que ele, mas é raro mapas onde todos os planetas estivessem ruins. Esperaria um stellium onde todos os planetas estivessem sob os raios do sol e numa casa cadente da figura (na verdade, nem sei se o dono de um mapa assim chegaria à vida adulta, porque isso é configuração clássica de aborto ou morte na infância).

Você pode concordar com Zoller, porque o método dele não é de todo surreal na prática, mas cabe a mim dizer neste artigo todas as variâncias do método de eleição. Em contrapartida ao que ele defende, o método mais antigo e mais comum seria escolher o al-mubtazz baseando-se apenas no fato dele ser o planeta com o maior número de dignidades entre todos os pontos referentes ao tema, sem levar em conta seu estado cósmico e terrestre. Se esse planeta estiver em péssimo estado, pode indicar que o tema inexiste ou é fracassado na vida da pessoa. Nesse caso, o planeta em segundo lugar, se estivesse em melhor estado que o primeiro, indicaria momentos em que o tema tem um breve período de sucesso, mas não seria determinante para a felicidade duradoura da pessoa naquele tema.

Por exemplo, se o almuten do casamento estiver em combustão, pode indicar que a pessoa não se casará. Entretanto, se em segundo lugar houver um planeta em bom estado, pode indicar, quando este for o regente do ano ou distribuidor em direções primárias, que a pessoa, durante um determinado período, tem não propriamente um casamento, mas um relacionamento feliz e harmonioso.

A discussão sobre o método do Zoller é interessante porque ela leva em questão o livre-arbítrio do consulente. No que tange a um assunto específico, o astrólogo poderia aconselhar o consulente a escolher o caminho representado pelo planeta que estivesse em segundo lugar na lista, se o mesmo estivesse em melhor estado que o primeiro. Não seria a opção que ele mais desejaria, mas seria a mais provável de dar certo.

Questionamentos sobre o almuten/al-mubtazz/vitorioso

Na história da astrologia, o almuten seria o primeiro método de estruturação do raciocínio astrológico visando analisar qualquer assunto. Antes dele, havia procedimentos específicos para determinados assuntos. Por exemplo, havia um método para escolher um planeta que representasse a vida biológica da pessoa, que ficou conhecido como Hyleg na idade média. Esse método, porém, não era generalizado para qualquer assunto além da expectativa de vida do nativo.

Se pararmos pra pensar, o almuten é uma coisa tão ousada quanto uma vacina universal para a gripe (que já está em pesquisa): essa vacina pretende imunizar o indivíduo contra qualquer sorotipo de vírus da gripe, assim como o almuten visava descobrir o significador de qualquer assunto dentro de um único mapa.

Independentemente das variações de cálculo e de eleição discutidas anteriormente, a coisa mais importante a se indagar sobre a eleição de um al-mubtazz seria saber se ele funciona na prática ou não.

Apesar de me sentir atraído por esse método, dada a sua relativa simplicidade (após se decidir por uma dentre as variantes de cálculo, é muito simples), de nada adianta se ele não funcionar. E aqui eu teria algo a acrescentar baseado na minha experiência. A prática mostra que a informação trazida por um almuten deve ser encarada com cautela, levando-se em conta algumas informações a seguir.

Primeiramente, há que se pesquisar as aplicações do termo nos textos árabes. Na maioria das vezes, o termo al-mubtazz foi empregado não para se referir a um planeta eleito de acordo com um método matemático, mas sim a um planeta que fosse o mais importante dentro de um tema. A escolha desse planeta, na maioria dos casos, não era através do método matemático descrito neste artigo. Ela envolvia critérios astrológicos de força, predominância e testemunho: um planeta angular, domiciliado ou exaltado, aspectado por vários outros planetas, normalmente era o preferido para ser al-mubtazz de um assunto. A resultante desse processo seletivo era considerar o eleito como um planeta que fosse a principal influência sobre o assunto estudado.

Vamos tomar como exemplo um assunto que é muito perguntado aos astrólogos, que é o tema do casamento. Afinal de contas, o almubtazz do casamento sempre dirá com certeza se a pessoa se casa ou não?

Conheço casos de pessoas que não se casaram e que tem simplesmente o regente da 7 em combustão. Não foi preciso fazer uma soma complicada para perceber que, dada a importância do regente da casa 7, sua combustão pode inexistir a vida matrimonial.

Em outros casos, a pessoa não tem a casa 7 nem seu regente com aflições significativas. Essas são as mais complicadas de se entender, porque não possuem nada que seja forte o bastante para explicar por que não se casam nem tem relacionamentos duradouros. A única coisa em comum que todas tem, e que pode assustar os astrólogos incautos que não estudam os textos mais antigos como Ptolomeu e Valens, é a Lua em Escorpião.

Se pararmos pra pensar, é nítido a Lua ser um planeta muito importante para relacionamentos interpessoais, sendo comum que pessoas, principalmente mulheres, com a Lua em Escorpião, não se casem, ou demorem muito pra se casar.

Nesses casos, se você analisar o mapa destas pessoas, a Lua não seria al-mubtazz do casamento, pela contagem de pontos. Entretanto, se levarmos em conta a definição de que al-mubtazz seria todo o planeta que definisse e sintetizasse o destino de um tema, a Lua com certeza seria, porque foi dela o 'não' definitivo para a pessoa não casar.

O que poderia explicar a Lua ser o al-mubtazz mesmo sem estar em primeiro lugar nos pontos? A princípio, o mais fácil é concluir que a técnica não funciona. Eu tenho uma hipótese: o conceito de almuten funciona, desde que obedeça a uma hierarquia celestial pré-existente e relatada por autores antigos.

Quem manda em tudo são os luminares.

Quando se começa a estudar astrologia moderna, os livros são entremeados de algumas informações muito teóricas, sem nada de praticidade. Com o passar dos anos, comecei a ter ojeriza de conceitos que não tivessem uma contraparte demonstrável na realidade. O que apresentarei a seguir pode parecer um tanto delirante, até que você vê como isso pode afetar a prática astrológica.

O Sol é o rei, a Lua a rainha. Seus domicílios estão um do lado do outro, como dois tronos num palácio real. Eles mandam em tudo. Os cinco planetas não tem capacidade para disputar com os dois luminares: sol e lua são regentes de tudo que há no mundo sublunar!

Isso não é delírio meu. Autores helênicos citam informações que comprovam esse papel preponderante dos luminares na astrologia. A Lua é o princípio gerador da vida. Veja o que Antíoco de Atenas diz nas suas definições:

Onde a vida não cresce, nada pode crescer.

Qualquer assunto na Terra pode ser atribuído ao sol ou à lua. Eles são o ponto de partida para a existência de tudo. É deles que emana a vida. Até hoje em dia, com nosso zeitgeist científico/cético/cartesiano, ainda cremos que a energia solar é o ponto de partida para a vida na Terra: as plantas sintetizam energia química da energia solar, há animais que se alimentam das plantas, e assim o ciclo da vida se perpetua. É por isso que esses dois luminares são importantes na análise da prosperidade pois, se deles vem tudo, são os melhores pontos para se checar a fartura que uma pessoa pode ter na vida.

Para nós, hoje em dia, o Sol tem o papel mais importante. A Lua ficou restringida a um pedaço de pedra boiando no espaço, cheio de crateras, que influencia nossas marés e bioritmos. Na antiguidade, a Lua tinha o papel da geração e da corrupção por refletir a luz do sol (Sim, sabia-se que ela não tinha luz própria) e ser o planeta mais perto do mundo sublunar.

Dentro da astrologia antiga, assuntos etéreos são associados ao sol, enquanto questões mais físicas à Lua. Isso pode ser visto no lote da Fortuna e no Lote do Espírito. Fortuna seria um lote lunar, mais físico, e espírito um lote solar, espiritual. Relacionamentos interpessoais são comumente associados à Lua porque são a manifestação física de um elo espiritual.

Apesar do conceito acima ser bastante lógico, há várias exceções. Primeiramente, é descrito pelos autores apenas em alguns assuntos esse papel inespecífico de geração da lua, quando deveria ser vista em qualquer assunto que dependesse de geração de vida. Há menções, por exemplo, no tema de casamento e no tema dos irmãos: No Livro de Aristóteles, ter a Lua em Escorpião é um sinal de que a mãe abortaria os irmãos do nativo, acidentalmente ou não (muito embora seja muito mais frequente pessoas com a Lua em Escorpião terem mais de um irmão vivo e saudável do que vê-las casadas).

Conclusão

O al-mubtazz é uma técnica que pode funcionar para descrever em síntese qualidades essenciais do tema estudado, mas não serviria para dar um veredicto do mesmo. Para isso, é necessário planetas que seriam chave no assunto. Por exemplo, se o al-mubtazz do casamento for Saturno, é provável que ele sirva para descrever o comportamento da parceira, ou eventos que marcaram seu destino. Entretanto, ainda que este almuten esteja em bom estado, se o regente da 7 estiver em combustão, ou se a Lua estiver em queda, é provável que a pessoa não se case. Portanto, não podemos atribuir todo o destino da pessoa em determinada área da vida a ele.

25 de abr. de 2020

2020, o começo de uma nova era

Mesmo que não tivesse acontecido nada, 2020 ainda seria um ano muito importante. Ele marca o começo de uma nova era astrológica, e não estou falando da era de Aquário.

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Parâmetros diferentes mudam o julgamento? Astrologia Clássica na Itália.

Parâmetros diferentes mudam o julgamento? Astrologia Clássica na Itália. Um exemplo do exposto Conclusão, (como sempre, temporária…)...