5 de out. de 2023

Breve história da Astrologia Horária

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Introdução

A importância de se escrever este artigo reside no fato de haver muito pouca coisa a respeito da história da astrologia em geral, quiçá a astrologia horária.

As questões deste artigo, bem como outras sobre astrologia horária, serão abordadas na live que terei no dia 06 de outubro (amanhã) às 20h (horário brasileiro) e às 0h (Portugal).

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O que é astrologia horária?

Se você ainda não sabe, Astrologia Horária é o ramo da astrologia que pretende responder a questões muito específicas usando-se apenas um mapa, normalmente erguido no momento em que o astrólogo entende e recebe a questão, e para a localidade em que o astrólogo estiver1.

Não há um “decreto astrológico” escrito em algum livro antigo acerca do número de questões que apenas um mapa horário pode responder, mas eu tenho uma resposta clara acerca disto: o mapa horário se concentra em responder apenas uma pergunta, MAS ele pode fornecer detalhes complementares que fogem um pouco do escopo principal da questão. Se isso se configuraria numa segunda resposta a mais uma pergunta ou não, depende do consulente.

Aliás, o termo “astrologia horária” tem o seu primeiro registros nos escritos do astrólogo inglês William Lilly, no século XVII. Lilly apelida este ramo de “astrologia horária” porque consistia em se abrir um mapa na “hora” em que o consulente fazia a pergunta. Antes disso, a prática de se responder a questões específicas usando-se um mapa do momento era chamada de “Interrogações” ou “Questões”.

Quando surge a astrologia horária?

A astrologia como conhecemos - a leitura de uma “cartografia celestial” com propósitos oraculares - deve ter surgido na Babilônia. O intento de se conhecer, pela leitura de um mapa celeste, o destino de um ser humano específico também começa na Babilônia, mas se difunde como um ‘Boom’ no mediterrâneo durante o período Helenístico, a partir do século II a.E.C. Esse seria o começo da astrologia natal, praticada até hoje.

Uma forma primitiva de horária passa a ser mais encontrada nos registros deixados pelos astrólogos entre os séculos IV e V E.C., como veremos a seguir. Nesses registros, vemos os julgamentos dessas figuras executados de forma muito parecida com o julgamento de um mapa natal.

O único autor do período helenístico que deixou princípios claros de julgamento para essas figuras foi Doroteu de Sidon, no seu Pentateuco (chamado a partir da idade média de Poema da Astrologia, ou Carmen Astrologicum2). Esses princípios de julgamento visavam atender ao julgamento de figuras com uma finalidade um tanto ambígua. Não dá pra saber se esses princípios de julgamento eram para o que hoje chamamos de “astrologia horária” ou ao que hoje chamamos de “astrologia eletiva”.

Essa ambiguidade - bem como a definição do que seria “astrologia eletiva”- serão dissecadas a seguir.

Astrologia Horária é uma “filha feia” da Astrologia Eletiva?

Chris Brennan, um astrólogo contemporâneo de inspiração helenística, supõe que a astrologia horária tenha surgido da astrologia eletiva - e sua justificativa me soa lógica o bastante para se concordar.

Uma eletiva - também chamada de eleição - como o nome sugere, é um mapa cujo dia e hora são escolhidos cuidadosamente pelo astrólogo, atendendo a algum propósito. Por exemplo, se eu quero abrir um negócio de sucesso, eu devo começá-lo na hora em que mercúrio estiver afortunado e forte; de preferência, determinado à casa 10 e recebendo a aplicação do regente do ascendente. Isto porque Mercúrio é o melhor planeta para significar negócios e lucro.

Nem sempre o consulente terá tempo o bastante para esperar que o céu entregue uma boa eletiva, com todos os significadores desejados afortunados e fortes. Mais do que a limitação técnica do astrólogo, outra grande limitação da astrologia eletiva é a pressa do consulente. Pelo fato do consulente cobrar prazos muitas vezes estreitos, em muitos casos uma eletiva terá configurações que representarão resultados bem abaixo do esperado.

Talvez você esteja se perguntando: como a astrologia horária deriva disso tudo? É simples.

Os astrólogos que criavam e acompanhavam os desfechos de mapas eletivos para seus clientes começaram a perceber que os mapas eletivos que “deram errado” - isto é, que não promoveram o sucesso do evento como esperado - tinham como “prêmio de consolação” descrever acuradamente a situação do evento criado pelo consulente, com todos os erros e acertos que se poderia ter. O próximo passo foi lógico: se o mapa do começo do evento o descreve detalhadamente, eu também posso abrir mapas para começos de eventos que eu não escolhi, de modo a saber como eles terminarão.

E é isso que se percebe nos textos que chegaram até nós: até o quinto século da Era Comum, temos disponíveis mapas de eventos, isto é, mapas celestes para o momento e o local onde se começava um determinado evento social, como o começo de uma viagem, a coroação de um rei ou a entrada de um rei e seu exército numa cidade murada. Esses mapas seriam chamados de Katarche, que significa “começo” em grego. A leitura desse mapa mostraria se o desfecho3 do evento seria bom ou ruim e parece em quase todos que a hora do evento não foi escolhida pelo astrólogo - não se colocando, portanto, na categoria de “eleição astrológica”. Entretanto, note que a data e o horário desses mapas eram os horários dos começos desses eventos - daí o termo “começo” para se referir a este tipo de mapa. Se os registros estiverem corretos, estes seriam os primórdios da astrologia horária.

O livro Greek Horoscopes reúne uma coletânea de mapas astrológicos do primeiro ao quinto séculos, a maioria natividades, mas também inclui algumas Katarches. É interessante notar que não há sequer uma katarche visando responder perguntas ou elucubrações do consulente acerca de eventos que não estavam ocorrendo no momento do mapa. Este tipo de questão eu encontro mais facilmente a partir do período árabe da astrologia4, quando já vemos Masha’Allah respondendo a questões como “obterei um reino?” ou “receberei um dinheiro?”. Note que não há evento algum que precipite a abertura desses mapas, apenas as especulações dos consulentes.

O período árabe da astrologia horária - inclusão de novas configurações e o começo da “abstração”

É apenas a partir do período árabe medieval quando percebo5 o que seria uma evolução impactante da astrologia horária, tanto na forma quanto no conteúdo. Percebemos a inclusão de novas configurações astrológicas, nunca antes mencionadas nos autores helenísticos, como Paulo de Alexandria e Antíoco de Atenas.

Os árabes estenderam o conceito de aplicação e separação dos planetas não apenas à Lua, como se percebe na obra Firmicus Maternus, mas a todos os sete planetas visíveis. A astrologia horária ficava menos estática, dando-se mais ênfase à movimentação dos planetas, contrastando com o modelo estático e muito mais próximo da técnica empregada no julgamento de mapas natais, observado nas katarches do período helênico que chegaram até nós.

Também houve a percepção de configurações que poderiam adiantar, retardar, promover ou impedir o desfecho de uma questão, como o retorno de luz, a translação de luz e outras dinâmicas interplanetárias citadas por Abu Ma’Shar e repetidas na obra do italiano Guido Bonatti. Mas também houve uma revolução mais silenciosa, nos critérios de abertura dos mapas horários.

Nos registros reminescentes de Bagdá por volta dos séculos VIII e IX, mapas abertos no começo de um evento tinham propósitos eletivos. O maior exemplo disto é o mapa da fundação de Bagdá. Em contraste, os mapas de interrogações poderiam ser abertos a qualquer hora, não necessariamente no começo do evento do qual se deseja saber. Geralmente, a hora de se abrir o mapa da interrogação era aquela em que o astrólogo entendesse a questão proposta pelo consulente, mesmo que esse momento não coincidisse com o começo do evento o qual se deseja saber. Foi o começo de um processo de abstração maior dos questionamentos.

Talvez nem mesmo os árabes tenham percebido isto, mas foi a partir da sua época que as possibilidades de questionamentos se tornaram infinitas: Quando se começou a fazer mapas de questões a qualquer hora, abriu-se margem para se questionar sobre qualquer coisa, por mais insólita e irrealizável que ela fosse. Pra mim, o ápice da abstração foi a horária registrada no Christian Astrology de William Lilly, quando o consulente era um alquimista e perguntou a Lilly se ele "obteria a Pedra Filosofal.

Se eu não abro o mapa no começo de um evento, obrigatoriamente estou incluindo, dentre os desfechos possíveis, uma possibilidade de que o evento nunca se realizará. Mas a beleza da astrologia é que, ao incluir essa possibilidade, autores mais atentos passaram a perceber nos mapas de questões que também haveria configurações indicadoras de assuntos que “não teriam começo nem fim”, como disse o bom e velho Abu Ma’Shar.

Abstração e aplicação em casas cadentes

A mudança que se percebe no período árabe medieval pode soar tímida, mas ela marca uma evolução significativa no pensamento astrológico. Ela torna possível se fazer qualquer pergunta sobre qualquer assunto a qualquer momento. Entretanto, isso torna necessária o início da percepção, por parte dos astrólogos árabes, de configurações astrológicas representativas de um evento que sequer aconteceria e que ficaria apenas no campo de ideias (estapafúrdias ou não) do consulente.

A primeira evidência do mapa horário ser capaz de indicar coisas que seriam apenas ideias sem realização está no conceito de “retorno de luz” dado por Abu Ma’Shar no Kitāb al-mudḫal al-kabīr ilā ʿilm aḥkām an-nuǧūm (A Grande Introdução à Astrologia):

Retorno com a corrupção é de dois tipos.

O 1º tipo é quando o doador6 está cadente e o receptor7 está retrógrado ou queimado e, simultaneamente, angular ou sucedente. Quando devolve ao doador o que dele recebeu, por causa de sua condição retrógrada ou queimada, e não o aceita, o assunto é corrompido após ser estabelecido.

O 2º tipo é quando doador e o receptor estão cadentes ou queimados e ele (o receptor) devolve a ele (o doador) o que recebeu por causa da condição de seu retrocesso ou estar sob os raios, e destrói seu gerenciamento, e o doador não é forte o suficiente para aceitar. É quando indica que o assunto não pode ser iniciado nem terminado.

Para provar meu ponto de vista, nos interessa no momento o segundo tipo de retorno com corrupção. Segundo Abu Ma’Shar, quando um planeta está cadente (se separando de um ângulo) ou queimado (invisível por estar sob os raios do sol) e se aplica a outro planeta queimado ou cadente (mas, ao mesmo tempo obrigatoriamente retrógrado), então o planeta retrógrado queimado devolve ao planeta doador da disposição (o mais rápido, que se aplicou no aspecto) o assunto. Entretanto, como o planeta doador está cadente ou queimado, ele é incapaz de lidar com a questão. Nesse caso, a questão não tem início nem fim.

É muito simples exemplificar este conceito. Certa vez, uma amiga perguntou se ela trabalharia como garçonete dentro de um cruzeiro. Seria perfeito para saciar sua vontade de viajar e, ao mesmo tempo, lhe renderia um salário em dólar. Ao abrir a horária, tanto o significador do emprego quanto o significador da consulente estavam nas condições citadas por Abu Ma’Shar - o segundo tipo de retorno com corrupção. Diante disso, disse que ela não faria nada para realizar tal intento, sendo apenas mera cogitação. De fato, ela não levantou um glúteo sequer da cadeira em prol de fazer alguma coisa para conseguir o emprego, nem mesmo enviou por email seu currículo. No mundo material, a ideia não teve um começo, tampouco um fim.

Dizer que uma coisa “não tem começo nem fim” depende de um panorama filosófico platônico, que divide o mundo entre ideias e matéria. Hoje em dia, muitas pessoas podem pensar que uma ideia é o começo de alguma coisa, mas Abu Ma’Shar define como começo alguma manifestação material da ideia. Uma coisa pode povoar o campo das ideias sem ter uma contraparte material. Com isso, ela não teria um começo, e não havendo um início, o fim também não existirá. Quantas ideias não verão a luz do sol sob a forma de matéria, mesmo que matéria aqui sejam meros pixels na tela de um simples site na internet…

Astrologia horária hoje

Chegamos ao século XXI com a astrologia horária apresentando tipos de perguntas muito parecidas (na essência) com aquelas vistas nos livros a partir da idade média, mas também incluindo questionamentos cada vez mais insólitos e abstratos, explorando os limites da arte.

Excetuando as questões que são reflexos dos tempos medievais (como “onde está meu escravo fujão?”), eu diria que o núcleo dos questionamentos mudou muito pouco de lá pra cá. Cientistas sociais e historiadores podem perdoar minha visão leiga, mas eu sinto que em qualquer época o ser humano parece buscar alguma forma de respeito social, proteção e sexo, e isso se reflete na pouca alteração dos desejos implícitos nas perguntas dos consulentes até hoje. Em muitos casos, situações típicas dos tempos modernos, sofisticadas e complicadas, difíceis de serem simbolizadas astrologicamente, devem ser resumidas à suas essências, sendo este o maior obstáculo que o astrólogo horário deve ultrapassar hoje.

Como abordado anteriormente, o fenômeno da abstração surge no período medieval, mas ele veio para ficar. Podemos ver hoje exemplos de abstração na aplicação da astrologia horária quando recebo perguntas do tipo “Vou ficar com fulano?”. Na maior parte das ocorrências desse tipo de questão, há contraparte material/social que a torna plausível - isto é, fulano já demonstrou algum interesse pelo consulente - mas há uma pequena percentagem dessas questões nas quais fulano mostra desprezo absoluto pelo consulente e, mesmo assim, ele faz a questão - e isto não parece ser um problema para a astrologia horária, porque a resposta mais frequente nesse caso é que eles nunca ficarão juntos.

Eu já cheguei a ver a astrologia horária contemplando até mesmo situações que chamaríamos hoje de “multiversos”: como seriam certas realidades paralelas concernentes a assuntos específicos? Já vi gente fazendo perguntas do tipo “Como seria se eu abrisse um negócio?” (mesmo não tendo feito absolutamente nada para realizá-lo). O problema dessas perguntas é que nunca vamos saber o desfecho real se a pessoa não se dispuser a realizá-lo.

É por isso que a astrologia tem uma contraparte de fé. Em alguns casos, é preciso acreditar. Para a maioria dos casos, crer é desnecessário: quando o mapa é julgado corretamente, as coisas acontecem exatamente do jeito que o astrólogo vaticinou, deixando céticos de queixo caído. Você pode questionar se a astrologia funciona quando se prediz coisas inespecíficas, mas isso fica mais difícil quando se acerta em quantos dias ou meses um evento concreto vai ocorrer.


  1. essa distinção é importante em tempos de comunicação via internet. Pré internet/telefone/telégrafo, o encontro do consulente (ou do seu representante) e do astrólogo era quase compulsório, exceto em horárias respondidas através de cartas. Nestes casos, a horária era respondida com a hora e o local em que o astrólogo lesse a carta.  ↩

  2. o original em grego, de fato, era escrito em formato de poesia  ↩

  3. Aliás, o fato de usar o termo “desfecho” tem uma importância significativa. A astrologia até então não era chamada de “astrologia”, mas sim de “Apotelesmatika”. “Apotelesma” significa “desfecho”. O que nós fazemos até hoje é um saber oracular visando conhecer desfechos - como uma pessoa ou evento vai terminar - mais do que processos ou mais do que seus entremeios ou caminhos até o desfecho. Para a astrologia, pouco interessa como uma pessoa vai caminhando até chegar na manifestação de um prognóstico em sua vida - muitas vezes, é possível saber se esse desenvolvimento é suave ou difícil, mas nada mais do que informações grosseiras sobre.  ↩

  4. Minha formação histórica depende das fontes disponíveis, mas parece que estou mais ou menos alinhado com historiadores que contam com um volume de material muito mais farto de fontes primárias  ↩

  5. somos reféns das evidências históricas. Pode até ser que estas evoluções tenham surgido antes do período árabe, mas sem documentos para comprovar, não temos nada a dizer.  ↩

  6. o planeta mais rápido que se aplica em aspecto ao planeta mais lento  ↩

  7. o planeta mais lento, que recebe a aplicação do mais rápido  ↩

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