13 de jan. de 2023

O Dossiê Almuten

Hoje resolvi sentar pra escrever sobre um tema que me incomoda há muito tempo, e não é apenas eu: uma controvérsia dentro da astrologia medieval é sobre o uso do Almuten, ou Al-mubtazz.
Al-mubtazz significa 'o vitorioso'. É o planeta com maior autoridade para definir um tema. Primeiramente, é preciso saber em que consiste esse conceito de vitorioso dentro da astrologia.

Tudo se resume a síntese. Um almuten seria um planeta que sintetiza uma determinada área da vida. Seria a expressão mais fidedigna e resumida de como seria a vida da pessoa em determinada área.
Por exemplo, se eu tenho marte como regente da 7, ou se marte está na casa 7, eu posso concluir que os relacionamentos da pessoa são conflituosos, ou que o parceiro é violento, ou que o parceiro se submete a risco de vida numa frequência maior do que a maioria das pessoas. Essa tônica do relacionamento e do parceiro seria a predominante nos relacionamentos. Em outras palavras, o planeta que define essas características - marte, no exemplo - seria o vitorioso sobre todos os demais dentro do tema casamento. Se você pudesse resumir a vida íntima da pessoa, seria na forma de marte.

Nem sempre resumir é simples.

Talvez você esteja pensando: "ora, um tema seria indicado pelo regente da casa e/ou pelos planetas que ocupam a casa". Numa era pós Morin de Villefranche (que ajudou muito a todos nós com seus princípios de interpretação, mas simplificou grosseiramente a astrologia), você pode estar até correto.
Para os árabes, bizantinos e gregos, não. Isto porque um assunto normalmente é representado pelos seguintes pontos:
  • A casa
  • O regente da casa
  • Planetas que ocupam a casa
Até aí, nada diferente de Morin. Só que tem mais:
  • O Lote que tem a ver com o assunto da casa
  • O regente desse lote
  • O significador essencial do assunto referido à casa.
Como você viu, existem em média seis pontos que possuem relação com um assunto. Segundo ʿUmar ibn al-Farruẖān, há que se eleger um planeta vitorioso sobre todos esses pontos, um planeta capaz de resumir como a vida da pessoa é naquele assunto.
É aí que o bicho começa a pegar, porque há mais de uma variação no algoritmo para se eleger esse vitorioso.

Vamos dividir o método em dois passos. "Só dois passos? Então é fácil". Quem me dera...

Primeiro passo e suas variações entre autores

O primeiro passo consiste em enumerar os regentes de todas as dignidades, de todos os pontos referentes ao assunto, e ver qual planeta tem o maior número de dignidades.
Só nesse primeiro passo, há duas variantes do cálculo: Ptolomeu não pondera a soma, porém autores como Alcabitius atribuem peso à pontuação de cada regente.
Segundo Alcabitius, o regente domiciliar tem cinco pontos, o da exaltação 4, das triplicidades 3, dos termos 2 e da face 1. Cada dia mais os estudiosos tendem a considerar essa variação como tardia e sem importância.
Ainda dentro do primeiro passo, há autores que ignoram uma dignidade, levando em consideração outra, que não é propriamente uma dignidade: autores mais fiéis a Ptolomeu tendem a desconsiderar a dignidade de face e dar peso a qualquer planeta que simplesmente aspecte um dos pontos (e aqui, novamente a introdução de mais uma polêmica, se deveríamos considerar os aspectos por signo inteiro ou por grau).

Segundo Passo (a controvérsia ainda não acabou)

Após essa contagem tediosa de pontos (felizmente, programas como Solar Fire fazem isso automaticamente, desde que você o programe para tal), teremos um ranking de planetas.
A priori, o planeta com o maior número de dignidades sobre todos os pontos referentes ao tema seria um al-mubtazz, independentemente de onde ele estiver no mapa e do seu estado cósmico. Mas aí entra outra variação do procedimento.
Confesso não saber de onde ele tirou isso, mas Robert Zoller diz que o almuten em questão pode estar em mal estado: retrógrado, cadente, combusto, aflito, etc. Nesse caso, este planeta seria incapaz de levar os assuntos que representasse adiante. Seria a área da vida da pessoa fracassada e/ou inexistente. Quando isso acontece, segundo Zoller, pode-se recorrer ao segundo lugar nesse 'ranking', se ele estiver em melhor estado do que o primeiro.
A eleição de um almubtazz levando-se em conta não apenas o número de dignidades, mas também seu estado cósmico, sugere que qualquer assunto na vida da pessoa tem uma probabilidade maior de se manifestar e ter sucesso do que o contrário, porque sempre se escolheria o melhor planeta relacionado. Seguindo esse procedimento, para que almubtazz escolhido seja muito ruim, os planetas em segundo e em terceiro lugar devem estar piores do que ele, mas é raro mapas onde todos os planetas estivessem ruins. Esperaria um stellium onde todos os planetas estivessem sob os raios do sol e numa casa cadente da figura (na verdade, nem sei se o dono de um mapa assim chegaria à vida adulta, porque isso é configuração clássica de aborto ou morte na infância).
Você pode concordar com Zoller, porque o método dele não é de todo surreal na prática, mas cabe a mim dizer neste artigo todas as variâncias do método de eleição. Em contrapartida ao que ele defende, o método mais antigo e mais comum seria escolher o al-mubtazz baseando-se apenas no fato dele ser o planeta com o maior número de dignidades entre todos os pontos referentes ao tema, sem levar em conta seu estado cósmico e terrestre. Se esse planeta estiver em péssimo estado, pode indicar que o tema inexiste ou é fracassado na vida da pessoa. Nesse caso, o planeta em segundo lugar, se estivesse em melhor estado que o primeiro, indicaria momentos em que o tema tem um breve período de sucesso, mas não seria determinante para a felicidade duradoura da pessoa naquele tema.
Por exemplo, se o almuten do casamento estiver em combustão, pode indicar que a pessoa não se casará. Entretanto, se em segundo lugar houver um planeta em bom estado, pode indicar, quando este for o regente do ano ou distribuidor em direções primárias, que a pessoa, durante um determinado período, tem não propriamente um casamento, mas um relacionamento feliz e harmonioso.
A discussão sobre o método do Zoller é interessante porque ela leva em questão o livre-arbítrio do consulente. No que tange a um assunto específico, o astrólogo poderia aconselhar o consulente a escolher o caminho representado pelo planeta que estivesse em segundo lugar na lista, se o mesmo estivesse em melhor estado que o primeiro. Não seria a opção que ele mais desejaria, mas seria a mais provável de dar certo.

Questionamentos sobre o almuten

Independentemente das variações de cálculo e de eleição discutidas anteriormente, a coisa mais importante que se deve indagar sobre a eleição de um al-mubtazz seria saber se ele funciona na prática ou não.
Apesar de me sentir atraído por esse método, dada a sua relativa simplicidade (após se decidir por uma dentre as variantes de cálculo, é muito simples), de nada adianta se ele não funcionar. E aqui eu teria algo a acrescentar baseado na minha experiência.
Na história da astrologia, o almuten seria o primeiro método de estruturação do raciocínio astrológico para análise qualquer tema. Antes dele, havia procedimentos específicos para determinados assuntos. Por exemplo, havia um método para escolher um planeta que representasse a vida biológica da pessoa, que ficou conhecido como Hyleg na idade média. Esse método, porém, não era generalizado para qualquer assunto além da expectativa de vida do nativo.
Se pararmos pra pensar, o almuten é uma coisa tão ousada quanto uma vacina universal para a gripe (que já está em pesquisa, mas ainda sem resultados): essa vacina pretende imunizar o indivíduo contra qualquer sorotipo de vírus da gripe, assim como o almuten visava descobrir o significador de qualquer assunto dentro de um único mapa.
A experiência diz que a informação trazida por um almuten deve ser encarada com cautela, levando-se em conta algumas informações a seguir.
Se um tema é duramente impactado por um planeta, ele sem dúvida é o al-mubtazz do assunto em questão, porque é ele quem define o destino da pessoa naquele assunto e o sintetiza. Entretanto, a experiência mostra que nem sempre esse al-mubtazz será descoberto pelo método descrito neste artigo... Às vezes, esse planeta simplesmente é um ponto importante para análise do tema, e está em mal estado na figura, mas não é o planeta com o maior número de dignidades dentre todos os pontos.
Vamos tomar como exemplo um assunto que é muito perguntado aos astrólogos, que é o tema do casamento.
Conheço casos de pessoas que não se casaram e que tem simplesmente o regente da 7 em combustão. Nesse caso, o al-mubtazz é o regente da sete, e pode até ser que esse regente seja o planeta com o maior número de dignidades em todos os pontos referentes a casamento. Entretanto, nem sempre ele será.

Em outros casos, a pessoa tem a casa 7 sem nenhuma aflição significativa, mas possui a lua em Escorpião, e ela não se casa. É nítido que a Lua é um planeta muito importante para relacionamentos interpessoais, sendo muito comum que pessoas, principalmente mulheres, com a Lua em Escorpião, não se casem, ou demorem muito pra se casar. Nesses casos, se você analisar o mapa destas pessoas, a Lua não seria al-mubtazz do casamento, pela contagem de pontos. Entretanto, se levarmos em conta a definição de que al-mubtazz seria todo o planeta que definisse e sintetizasse o destino de um tema, a Lua com certeza seria, porque foi dela o 'não' definitivo para a pessoa não casar.
O que poderia explicar a Lua ser o al-mubtazz mesmo sem estar em primeiro lugar nos pontos? A princípio, o mais fácil é concluir que a técnica não funciona. Eu tenho uma hipótese: o conceito de almuten funciona, desde que obedeça a uma hierarquia celestial pré-existente e relatada por autores antigos.

Quem manda nessa p#$% toda são os luminares.

O Sol é o rei, a Lua a rainha. Seus domicílios estão um do lado do outro, como dois tronos num palácio real. Eles mandam em tudo. Os cinco planetas não tem capacidade para disputar com os dois luminares: sol e lua são regentes de tudo que há no mundo sublunar! Isso não é delírio, alguns autores helênicos citam.
A Lua é o princípio gerador da vida. Veja o que Antíoco de Atenas diz nas suas definições:

Qualquer assunto na Terra pode ser dividido entre o sol e a lua. Eles são o ponto de partida. Suspeito que assuntos mais 'yang' sejam referidos ao sol, e assuntos mais 'yin' à Lua.
Após serem gerados por um dos luminares, os assuntos são especificados por um significador essencial. Em seguida, são mais especificados por uma casa e por um regente domiciliar dessa casa. Em paralelo a isso, o assunto é influenciado por um Lote, que indica a influência do acaso sobre esse tema.
Relacionamentos interpessoais são representados pela Lua porque envolvem sentimentos e uma parte mais inconsciente do nosso ser. Portanto, nenhum al-mubtazz do casamento há de ser vitorioso sobre a rainha Lua.
Portanto, o al-mubtazz deve ser levado em conta se os luminares não estiverem em mal estado porque, se isso ocorrer, o assunto já seria prejudicado na sua gênese.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto. Obrigado, Rodolfo. Abraço, Ivan Mir.

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  2. Muito bom! Como sempre um conteúdo precioso!
    Eu ri porque tenho um stellium na 12, incluindo o sol, o regente do ascendente (Marte) e a Lua. Também a Vênus (regente da 2 e da 7). Seria meu Jupiter angular me mantendo viva?
    Confesso que minha vida não foi e nem é fácil, mas não é também tão trágica, ainda bem 😬
    Obrigada por compartilhar seu conhecimento! Abçs

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