24 de set. de 2024

Quais livros eu mais usei na minha prática (de verdade)?

Estou pensando qual foi o livro de astrologia que eu mais usei e que me deu os melhores resultados.

De astrologia horária, são os livros de Masha'Allah (On Reception) e John Frawley, os dois empatados.

De revolução solar, o "Minha vida perante os astros" e o Livro 23 do Astrologia Gallica, além do livro de Revoluções Solares do Abu Ma'Shar.

Estes livros estão em ordem decrescente de quantidade de ideias que me foram mais úteis na minha prática. Quem disseca cada capítulo do primeiro mencionado vai aprender a ler uma Revolução combinada a direções primárias de um modo melhor que muito astrólogo figurão por aí.

De astrologia natal, vai soar vergonhoso, mas eu não sei dizer qual o livro mais importante!

Na hora de interpretar uma natividade, eu uso uma série de técnicas compiladas de diversos autores - e até hoje não estou plenamente satisfeito com nenhuma delas. Por isso que temporariamente não estou fazendo mapas natais.

Sinto que nenhum livro de astrologia natal é bom o bastante para merecer uma indicação definitiva, algo do tipo: "compre esse apenas". Minha abordagem, nesse caso, se aproxima dos estudiosos: "compre TODOS que forem surgindo ao longo dos anos, de autores até a idade média". Mas não recomendo isto se você for apenas um praticante casual.

Minha falta de indicação em livros natais vai demandar mais alguns parágrafos a seguir, porque suscita uma reflexão mais profunda.

Interpretar pode ser simples. Achar significadores que é complicado

Sinto que existe uma maneira de se interpretar o mapa natal que deve ser executada em todas os assuntos, e o autor que chegou mais perto disso foi Morinus. Só que ele não foi tão claro assim em exemplos e acho que estreitou demais sua busca.

Por exemplo, o tópico de doenças. Pela teoria das determinações planetárias dada pelo autor, doenças seriam indicadas pela Casa 6. Mas quem analisa apenas a casa 6 pode não ver coisas muito importantes - sendo que muitas vezes a casa 6 não representa doenças! Ela é o local onde Marte se regozija, é o local de má fortuna, e isto inclui uma série de azares além de doenças.

Uma pessoa pode ter sérios problemas oftalmológicos ao ter uma das "estrelas que ferem os olhos" no ascendente, portanto nada a ver com a Casa 6 - e os meus críticos dirão que isso é óbvio porque o Ascendente representa o corpo físico - logo, o que eu falei não seria nada de novo.

Mas eu acredito que nem mesmo estes críticos saibam analisar o Ascendente para se checar doenças, no típico caso de "chegar até a ilha do tesouro mas não saber onde o tesouro está" - algo que ocorre o tempo todo com astrólogos: não basta saber quais os significadores, mas como se deve analisá-los.

Eu sinto que basicamente, uma boa leitura natal deve compreender o entendimento amplamente conhecido das casas, conjugado a um entendimento profundo das indicações das estrelas fixas (geral e específico, pois há estrelas que causam danos específicos, como as mencionadas) e, da mesma forma que as estrelas, um entendimento tanto geral quanto específico do que os planetas representam. Adquirir estes dois últimos dependem unicamente da experiência e da intuição do autor, porque os autores ao longo dos séculos apenas deram os significados mais gerais.

Por exemplo, Marte é o significador essencial de irmãos na astrologia. Entretanto, Rhetorius nos diz que a Lua representa irmãs mais velhas, Vênus irmãs mais novas, Saturno e o Sol irmãos mais velhos, etc. Ou seja, o significador geral de irmãos é Marte, mas cada planeta contempla uma significação específica dentro deste tópico! E, infelizmente, apenas nos tópicos de irmãos e de filhos é que tomamos conhecimento dessas distinções!

Fico a pensar se o mesmo raciocínio acima poderia ser aplicado com qualquer assunto. Por exemplo, dizem que o Sol é o olho direito no homem (e o esquerdo na mulher). Mas, dentro dos olhos, qual planeta representaria a retina? Mais ainda: será correto estender esse raciocínio dos significadores específicos para qualquer tema? 

Colocando isto no contexto do estudo de doenças: Se ainda temos dificuldade em saber qual seria um significador ideal para um determinado órgão (autores divergem em muitos casos ou sequer os citam), mais difícil ainda seria deduzir qual seria os significadores para estruturas específicas desde mesmo órgão!

Indicando um livro batido e subestimado

Deixando de lado a complicação dos significadores por enquanto, voltemos ao que seria uma indicação de livro natal inusitada. Durante muitos anos, eu evitei me aprofundar muito neste livro que vou indicar por pensar ser uma obra bastante enviesada, mas meu pensamento tem mudado. No ano em que escrevo este texto (2024), tenho a intuição de que devemos insistir com o Tetrabiblos de Ptolomeu e com o Carmen Astrologicum, ou Pentateuco, de Doroteu de Sidon - entretanto, se for pra se concentrar e fazer a coisa direito, por enquanto, eu insistiria apenas com Ptolomeu.

De fato, Ptolomeu pode ter reformado a astrologia para se adequar ao seu pensamento naturalista aristotélico, mas muito do que ele trazia era coisa oriunda dos "fundadores" deste saber. Hefaísto de Tebas defendeu este ponto de vista dizendo que vários trechos de Ptolomeu são paráfrases do enorme livro de natividades do faraó Nechepso e do seu escriba Petosiris, que seria em tese o primeiro livro de astrologia natal. Portanto, a meu ver, é preciso desbravar o pedantismo e a inespecificidade do texto de Ptolomeu.

Para tanto, é mister uma tradução minimamente decente. Eu insistiria nas traduções mais recentes, a partir de Robert Schmidt - e não apenas este, mas qualquer tradutor de Ptolomeu que tenha surgido depois dele, de preferência astrólogo. E também incluiria traduções de comentaristas historicamente próximos de Ptolomeu, como Porfírio e Hefaísto de Tebas (que comenta não apenas Ptolomeu, mas também Doroteu).

7 de nov. de 2023

Parâmetros diferentes mudam o julgamento? Astrologia Clássica na Itália.


Atenção: o texto só é plenamente compreensível lendo-se as notas de rodapé à medida em que elas surjam. Não recomendo adiar sua leitura.

Recentemente, tenho me dedicado a estudar mais a fundo a produção dos astrólogos italianos de inspiração clássica. Conheço-os há mais de dez anos, mas havia tanto o que ser lido em inglês - língua que me é mais acessível - que negligenciei por um bom tempo o que eles fizeram e fazem até hoje.

Quem são os astrólogos clássicos italianos? Eu teria alguns que me admiro pelo que escrevem e pelo horizonte que descortinaram diante dos meus olhos: citaria o trabalho de Mario Constantino, Giacomo Albano, Margherita Fiorello, Giancarlo Ufficiale e Corrias Fabrizio (da escola de astrologia Almugea), e, no topo de todos eles - reconhecido pelos próprios - o grande Giuseppe Bezza, bem como Marco Fumagalli, da Escola de Astrologia e site Cielo e Terra.

O que tem me impressionado nestes autores, em síntese, são o rigor em seguir a interpretação clássica e os procedimentos de cálculo mais complexos e que entregam resultados discretamente diferentes. Essa diferença discreta, no entanto, pode gerar resultados diferentes na interpretação. Abaixo, posso listar alguns exemplos:

  1. O cálculo das Partes Árabes é realizado segundo Plácido e leva em conta parâmetros de cálculo do céu local do observador ao invés da longitude zodiacal. Como veremos no exemplo abaixo, isso pode fazer diferença na interpretação.
  2. O cálculo das profecções também leva em conta o primeiro movimento (aquele que “arrasta” as estrelas do leste ao oeste) e não a longitude zodiacal. Este cálculo já era citado por Ibn Ezra (século XIII) e foi aprofundado também por Plácido (Século XVII).
  3. Há a inclusão de configurações interplanetárias como paralelos, contraparalelos de declinação e equidistância horária, que significam a mesma coisa que aspectos.
  4. Parece-me que quase todos esses astrólogos defendem que o zodíaco deve ser invertido no Hemisfério Sul - conselho que, se não seguido à risca, não impede de desfrutarmos e testarmos os diferentes parâmetros acima, já que tudo que foi mencionado aqui funciona de modo independente.

Como semelhanças com a astrologia clássica praticada no resto do mundo, estes astrólogos usam o zodíaco tropical e tentam seguir o que está nos mesmos livros de referência da tradição astrológica: Ptolomeu, Rhetorius, Vettius Valens, Firmicus Maternus, et cetera. 1

Enfim, se eu pudesse sintetizar a experiência: o que um astrólogo acostumado com o que se faz nos Estados Unidos e no Brasil acha de diferente ou de mais saliente na astrologia clássica feita na Itália?

Resumiria que eles procuram seguir fielmente a teoria de interpretação astrológica dos clássicos (Ptolomeu, Paulo de Alexandria, Rhetorius et cetera), e na hora dos métodos de cálculo empregados para Partes Árabes e técnicas preditivas (como a profecção), procuram fazer tudo segundo as recomendações de Plácido de Tito.

Enquanto a astrologia ocidental em geral usa Placidus apenas para calcular as casas, os astrólogos italianos seguem o script placidiano completo: TUDO é calculado levando em conta o céu do observador, entregando uma experiência muito mais particular à localidade do nascido2.

Um exemplo do exposto

Como tudo que eu faço neste blogue, nada melhor que um exemplo para que vocês vejam a diferença.

Posto aqui um mapa3 de exemplo extraído da página em que Bezza explica como se calcula a profecção anual em natividades:

Gostaria que o leitor prestasse atenção nas posições em graus dos lotes em geral no mapa acima (as posições marcadas por palavras seguidas de graus ao lado), de modo a comparar com o mesmo mapa (mesma data, hora e local de nascimento), porém calculado no programa Janus:


A maioria dos lotes de ambas as figuras usam os mesmos planetas e o Ascendente no cálculo4. Entretanto, a diferença das suas posições nas duas figuras é discreta. Em alguns casos, ele difere apenas 2˚; em outros, os lotes mudam de signo. É o caso do Lote da mãe: na figura do site de Bezza, ele se encontra no começo de Leão, enquanto na figura do Janus ele está em 7˚ Virgem!

Com isso, já fica saliente a primeira grande diferença entre a astrologia dita clássica do resto do ocidente contra a astrologia italiana: estes astrólogos não calculam Partes Árabes a partir de coordenadas zodiacais (a longitude zodiacal dos pontos envolvidos na equação do lote), mas de coordenadas do céu local5.

O artigo de onde extraí a figura é um exemplo de como deve ser calculada a profecção no mapa natal; entretanto, antes de se julgar as previsões, Bezza se atenta ao passo primordial mais importante da astrologia clássica: técnicas preditivas só podem mostrar quando acontecerá o que está prometido na natividade. Estando na Itália, no Brasil ou no Sudão, me parece que todos os astrólogos de inspiração tradicional concordam com este preceito. Portanto, o primeiro passo é delinear a natividade.

O exemplo que Bezza nos traz é uma infeliz ocasião na qual a nascida foi violentada por um grupo de jovens em Roma. Primeiramente, ele checa no mapa natal se há algum risco dela sofrer uma violência sexual ao longo da vida. 6. Aqui vai minha paráfrase ao comentário de Bezza sobre a genitura.

Primeiro, talvez por uma influência pervasiva da psicanálise até mesmo no discurso astrológico clássico contemporâneo, Bezza investiga o papel do pai na vida desta moça7. A oposição do sol a Marte em signos contrários (marte em detrimento) indica um pai fraco em suas atribuições paternas (posto que ♂ é mais inclinado a cortar vínculos do que se aderir a eles) e violento.8.

Essa relação entre o Sol e Marte como indicadora de traços paternos fica mais clara quando percebemos que Marte está em ☌ ao Lote do Pai com orbe de aprox. 8˚ (usando como referência o mapa que Bezza postou).

Marte é um planeta noturno e angular numa genitura diurna. A contrariedade de séquito deste planeta o predispõe a violência. Leitura mais tradicional que isso, impossível. Note que Bezza não está preocupado em saber qual casa Marte rege. Como Marte está configurado com significadores paternos, o autor procura ligar os significados essenciais de marte que interessam ao tema do pai - um conselho que recomendo em qualquer análise.

Por marte estar configurado com dois significadores paternos (O Sol e o Lote do Pai), concluímos que o pai foi uma pessoa que cuidou pouco da família e que, além disso, foi adúltero: para explicar isto, Bezza diz que Marte está configurado com Vênus por declinação 9, mas para mim isso é claro porque Marte está no signo de Vênus, e permutações de domicílio ou termos entre estes dois planetas significam vexame por atividade venérea excessiva. 10

Bezza também diz que os pais não concordam entre si porque o Lote do Pai está em □ com o Lote da Mãe: Se usarmos o cálculo Placidiano dos Lotes - que leva em conta parâmetros do céu local, e não a longitude zodiacal, isso é verdade. Calculando os lotes usando apenas as longitudes zodiacais - aquilo que a maioria dos programas de astrologia faz - o Lote do Pai está em △ com o Lote da Mãe. A falta de concórdia entre os pais também pode ser simbolizada pela a ausência de aspectos entre a Lua e o Sol, e isso é intensificado mais ainda pelo testemunho de Marte: o planeta vermelho faz uma oposição ao Sol e está em equidistância horizontal com a Lua11.

Agora, a explicação da promessa do evento. Investigamos as instâncias do sexo na vida da pessoa - sejam elas experiências desejadas ou não - pelo significador essencial de sexo e desejo, que é o planeta ♀. Nota-se que ♀ é ocultada pelos raios do ☉ e está em ☌ com as estrelas da testa da constelação do Escorpião12, de natureza de ♄ e de ♂ e muito próximo do lote de ♄, Nêmesis, em 0˚ Sagitário pelo cálculo Placidiano de Lotes13. Tudo isso ocorre muito próximo da cúspide da Casa 8 (orbe de 3˚), a casa que representa angústias mentais, morte ou sofrimentos quase mortais.

Para completar, ♀ rege o Lote do Casamento das Mulheres, presente em ♉ tanto na figura calculada pelo Janus quanto pela figura do site italiano. O Lote do Casamento fala não apenas de casamentos, mas de qualquer união com um parceiro por questões afetivas. Ter esta ♀ regendo o lote liga esse tema a violência - o que pode indicar que o estupro partiu de um parceiro, e não de um homem desconhecido na rua14.

Conclusão, (como sempre, temporária…)

Eu tenho 20 anos de astrologia. Já passei da fase de me iludir achando que vou encontrar o Santo Graal numa técnica secreta ou pouco conhecida, ou em procedimentos alternativos de cálculo do mapa. Minhas retinas cansadas já viram todo o tipo de variação de cálculo astrológico: zodíaco sideral, zodíaco tropical, direções primárias in mundo ou zodiacais, profecções mundanas ou tropicais, zodíaco tropical invertido ou não no hemisfério sul, e por aí vai… Longe de aderir imediatamente a tais procedimentos, ainda estou na fase de conhecê-los antes de emitir qualquer julgamento.

De qualquer forma, sempre é bom procurar conhecer o máximo possível das variações de uma mesma técnica para sabermos o que funciona melhor na prática. Tudo se resume a isto: funcionar melhor na prática nada mais é do que os planetas se sincronizarem do modo mais perfeito à experiência de vida do consulente. Todo esse blogue, toda essa parafernália que monto em torno da astrologia, é simplesmente para encontrar isso.

Qualquer parâmetro de análise divergente do que se faz hegemonicamente na astrologia ao redor do mundo gera alguma mudança na interpretação dos mapas do astrólogo. O espectro dessa mudança no resultado final da interpretação pode ser bem variável, a depender do mapa: elas podem alterar radicalmente a interpretação ou apenas incliná-la mais para um lado que a interpretação com parâmetros hegemônicos já havia encontrado. É por isso que nem sempre estamos perdendo 100% da informação essencial ao preferirmos este ou aquele método de cálculo.

No exemplo acima, a mulher tem pais que brigam porque possuem os lotes em quadratura e os luminares sem configuração e ambos em algum tipo de contato com ♂; se usássemos os lotes com cálculo zodiacal (o parâmetro mais comum fora da Itália), poderíamos chegar à mesma conclusão, de forma mais fraca, já que os luminares não estão configurados entre si e isso não mudaria.

Muitos astrólogos preferem acreditar que a maior mudança necessária na interpretação não depende da mudança de métodos de cálculo, mas dos princípios de interpretação sobre os quais o astrólogo alicerça seus julgamentos. Minha visão tende a ser integradora: considero possível que, além de ser indispensável usarmos os princípios corretos de interpretação, talvez métodos de cálculo diferentes entreguem resultados melhores.

Notas de rodapé


  1. Percebo que eles tem um pouco de antipatia com Morin de Villefranche, mas nem mesmo franceses gostam de si mesmos… Brincadeiras à parte, eles preferem autores renascentistas italianos ao invés do autor francês.  ↩

  2. talvez alguns astrólogos possam discordar de parte desta metodologia, mas estou descrevendo aquilo que Giuseppe Bezza recomendava. Sendo ele uma grande influência destes astrólogos e, como o fruto não cai muito distante da árvore, por hora, deduzo que há pouca diferença entre o que ele e seus discípulos fazem  ↩

  3. não pedi permissão do site deles devido à frequente demora dos mesmos em responder, mas de qualquer forma, informo aqui o link de onde o extraí: http://www.cieloeterra.it/articoli.profezione/profezione.html  ↩

  4. talvez Bezza calcule diferentemente alguns dos sete lotes herméticos - Eros, Vitória, Nêmesis et cetera - não posso afirmar com certeza ainda  ↩

  5. Bezza explica isto no link http://www.cieloeterra.it/articoli.sorti/sorti.html  ↩

  6. isto não deve ser confundido com buscar culpabilidade da vítima  ↩

  7. não sei se iria por este caminho. Explorar o perfil psicológico da mulher só faz sentido se o estupro coletivo partiu do seu parceiro e apenas se ela possuísse uma tendência de se relacionar com homens violentos. Se o estupro foi por desconhecidos, é uma questão tão somente de segurança pública.  ↩

  8. Note que o Sol possui mais um testemunho, a co-presença de Júpiter - no entanto, isto parece não corroborar muito com o destino relacionado ao pai, o apenas o remedie após tê-lo ocorrido, como acontece com aspectos e conjunções com orbes mais distantes.  ↩

  9. Declinação é a distância de um ponto do Equador Celeste, medida em graus. A declinação de Marte é de +18 e a de Vênus de -20. Usando uma orbe de 2˚, pode-se dizer que estão contraparalelos e isso tem o efeito de uma oposição  ↩

  10. no caso, a mulher em questão sofre violência sexual de um grupo de jovens e isso é outro exemplo desta permutação. Veremos frequentemente essas repetições ocorrendo na astrologia, com dinâmicas parecidas com o que ocorre na psicanálise: Tanto o pai adúltero quanto a mulher violentada representam instâncias do excesso de atividade venérea, ou de atividades venéreas socialmente inadequadas - simbolizadas na astrologia como dois significadores diferentes sendo afetados pelo mesmo planeta capaz de representar isto, um ♂ angular em signo de ♀ contrário ao séquito do mapa .  ↩

  11. não costumo usar esta configuração, mas ela funciona como se fosse uma conjunção entre os planetas. Dois planetas estão com a mesma distância horizontal se ambos estão com a mesma distância horária acima e abaixo do ascendente. Este parâmetro não deve ser calculado usando graus zodiacais.  ↩

  12. Dschubba, em 01˚♐, creditada com a habilidade de pesquisa e investigação, mas também demonstra violência, inclinações destrutivas, crueldade e imoralidade, dada a natureza ♂/♄. Além disso, em 02˚ ♐ encontramos Graffias, também da testa do Escorpião, de mesma natureza, indicando malícia e crueldade.  ↩

  13. Calculando-o a partir das longitudes zodiacais, Nêmesis está em 17˚♑, em ☌ com o Meio do Céu  ↩

  14. e talvez isso justifique o procedimento de Bezza em incluir a análise do Sol  ↩

23 de out. de 2023

Robert Zoller e sua previsão (na mosca) do 11 de setembro

Robert Zoller e sua previsão (na mosca) do 11 de Setembro.

“Chamo atenção novamente ao aumento da ameaça do terrorismo islâmico e que ela se sentirá no território americano. O maior período de perigo será em Setembro de 2001.

Falo do terrorismo islâmico que é baseado no fundamentalismo islâmico e direcionado para os cidadãos comuns, nos seus negócios do dia a dia, nas suas próprias cidades.

A devastação chocará a todos."

Se você está cansado de ver astrólogo fazendo previsões vagas, então este é o seu artigo. A previsão acima foi escrita e divulgada por Robert Zoller no ano de 1999, dois anos antes dos atentados nas torres gêmeas em 11 de setembro de 2001.

Como ele faz esta previsão? Segundo testemunhas que leram a newsletter chamada de Nuntius - enviada por Zoller a interessados no que tinha a dizer - ele se baseou num eclipse.

No estilo Zoller de escrever, ele não revelou a técnica que o levou à sua previsão. Mas sabemos o mapa no qual ele se baseou, e neste artigo vou fazer alguns apontamentos que poderiam constar na sua análise.

O eclipse de 1999

Em 11 de agosto 1999, ocorreu um eclipse solar total no signo de Leão.


Como não tenho em mãos o artigo original do Zoller - que, na verdade, era um texto de email - tenho duas hipóteses acerca de qual seria a localidade a partir da qual Zoller calculou o eclipse: Washington ou Nova Iorque.

Para nossa felicidade, tanto numa quanto em outra o Ascendente era no signo de Leão. Então vamos escolher Washington devido à sua importância política.

A zona de visibilidade

Todo eclipse só é visível na parte do planeta onde ele está acima do horizonte nos mapas astrológicos - e, mesmo assim, não será em todos estes locais que ele será visível em toda sua “majestade”, ou seja, ocultando completamente o luminar. Existe uma área terrestre, uma faixa de terra/mar na qual o eclipse é visto ocultando completamente o Sol ou a Lua - em outras palavras, uma área na qual sua visibilidade é de 100%.

O eclipse de 1999 foi muito importante para os EUA e Europa porque, como podemos ver no mapa, sua área de visibilidade total se estendia da costa leste americana - bem perto de Nova Iorque - até a Índia, passando pelo meio da Europa em países como França, Alemanha, República Tcheca, Romênia, Turquia, Irã e terminando na Índia. Foi parcialmente visível no Iraque e na Arábia Saudita.

Perceba que alguns países da zona de visibilidade tinham relação no evento fatal previsto por Zoller. O atentado afetou os EUA (ponta oeste da zona) e foi planejado pela Al Qaeda, cujo líder era um integrante de uma família rica da Arábia Saudita (próximo da ponta leste da zona). Entretanto, eu encararia a relação entre a região de visibilidade e os atores envolvidos como uma coincidência.

Acredite, raramente a interpretação da zona de visibilidade ligando duas regiões do globo faz algum sentido na previsão. De que adianta esta informação fazer sentido neste caso mas não funcionar em outros eclipses? Ou será que esta informação só seria importante caso outras evidências possam corroborá-la? Como veremos a seguir, há outra informação que seria uma evidência a favor do islamismo/oriente médio estar envolvido.

Questões sobre visibilidade do eclipse e as áreas atingidas.

Uma questão frequente é a seguinte: o eclipse representará eventos apenas na áreas em que pode ser visto? A resposta moderna neste caso é não. Mas também comentarei neste artigo a resposta tradicional, que é sim.

Modernamente falando, eclipses também são usados por astrólogos modernos para representar eventos impactantes nas vidas de indivíduos, não apenas eventos mundiais. E neste caso, conheço astrólogos como Alphee Lavoie1 que sequer estão interessados na área de visibilidade do eclipse para fazer previsões.

Na astrologia mundial, astrólogos divergem a esse respeito. Alguns ignoram completamente a área de visibilidade do eclipse. Para eles, um eclipse pode indicar eventos em qualquer parte do mundo, por mais que o país onde ocorreu o evento não tenha visto o eclipse.

Astrólogos de fundamentação clássica como Mario Constantino ajuntam o seguinte da tradição astrológica:

Em primeiro lugar, os eclipses “visíveis” produzem efeitos; os eclipses que ocorrem num lugar onde não podem ser vistos “não significam”. Ou seja, o eclipse solar “significa” onde o Sol escurece e o eclipse lunar “significa” onde a Lua escurece. Então, porém, não “significa” em todos os lugares onde é visto, mas apenas em alguns lugares onde o fenômeno é visto.

Portanto, para saber onde o evento acontecerá precisamos restringir o exame aos locais onde o eclipse realmente aparece. Nestes locais existem locais onde o evento acontecerá.

De forma mais geral, o eclipse significa algo em todos os lugares, porque, em todos os lugares há, em qualquer caso, o significado do eixo nodal próximo ao Sol e à Lua e, em qualquer caso, em todos os lugares da Terra há uma sizígia onde os nós estão perto das luminárias. A tradição diz que o nodo sul (descendente) da Lua é frio e seco, enquanto o nodo norte (ascendente) da Lua é quente e seco. Em particular, o nó descendente seria corruptivo, enquanto o nó ascendente tenderia a aumentar o que é significado.

Via de regra, todas as sizígias eclípticas que ocorrem próximas ao eixo dos nodos são sizígias que trazem possíveis danos, porém, significando uma possível exasperação ou exacerbação de um sentido que é o seu sentido, daquela época.

Em segundo lugar, podemos esperar o evento de acordo com a triplicidade em que ocorre o fenômeno (em que ocorre o eclipse), pois, se o fenômeno ocorre na triplicidade do fogo e é visível no quadrante noroeste da Europa , o fenómeno acontecerá neste quadrante da Europa. E, sobretudo, se for em Áries e sim nas regiões que lhe são familiares; se for Leão, nas regiões que são familiares a Leão e assim por diante.

Este é basicamente o critério: em alguns exemplos de Plácido, por exemplo, observa-se uma série de eclipses ocorridos no signo de Leão, visíveis na Itália e que produziram vários eventos ocorridos na Itália, em conformidade com os critérios fundamentais da teoria dos eclipses.

Extraído do site astrologiaclassica.it

Esse trecho do artigo de Mario Constantino não responde definitivamente à questão do eclipse representar eventos apenas nas áreas onde é visto. Ele cita os dois pontos de vista: eclipses podem dizer respeito apenas às áreas onde são visíveis mas, de forma mais geral, também dizem respeito a todos os lugares 2.

Talvez você queira saber o que Ptolomeu pensava a respeito dessa questão. No Tetrabiblos, ele não diz claramente que apenas territórios nos quais o eclipse é visível terão eventos representados pelo fenômeno, mas sugere indiretamente isso quando propõe uma técnica para saber quanto tempo haverá entre o eclipse e os eventos que ele representa. Nesta técnica, executada no mapa do eclipse, ele divide o semicírculo celeste acima do horizonte em três partes e define quanto tempo os efeitos do eclipse demorarão para aparecer e quanto tempo eles durarão com base na posição do luminar eclipsado numa dessas partes. Note que, nesta técnica, Ptolomeu ignora completamente o semicírculo abaixo do horizonte. Daí, é só usar de três passos lógicos:

  1. Se para um eclipse ser visível num território ele precisa estar acima do horizonte nas cartas celestes desse território,
  2. e como a técnica de timing dos eventos dada por Ptolomeu ignora o semicírculo abaixo do horizonte,
  3. então o mais óbvio é deduzir que Ptolomeu acreditava que o eclipse representará eventos apenas nos países onde for visível.

O eclipse, as triplicidades e a corografia astrológica

Ainda no excelente artigo de Mario Constantino, para mostrar como astrólogos faziam previsões na tradição astrológica até o renascimento, ele cita o exemplo de Plácido de Tito, astrólogo italiano3.

Placidus registrou previsões sobre um eclipse que ocorreria na sua época, no signo de Leão, e visível no território italiano. Neste caso, percebe-se que o signo do eclipse dá duas informações: ao mesmo tempo em que diz qual região do mundo será afetada, também pode ser usado para especificar quais países seriam afetados dentro desta região. Como Leão é da triplicidade de Fogo, associada ao quadrante noroeste do mundo segundo Ptolomeu (que pega o ocidente Europeu inteiro), e como Leão é o signo relacionado à Itália, o autor chegou à conclusão de que os eventos ocorreriam no território italiano, como foi o que aconteceu.

Leão representa outros territórios além do italiano, mas como o eclipse era visível apenas na Itália e em outros países que não eram relacionados a Leão, para Plácido, a probabilidade do eclipse indicar eventos italianos era maior.

Por coincidência, o eclipse de agosto de 1999 - séculos depois do eclipse usado por Plácido - também ocorreu em Leão e também era parcialmente visível na Itália. Entretanto, o principal evento que o eclipse representou ocorreu na costa leste dos EUA.

Como veremos a seguir, é preciso mais do que a técnica do cruzamento de dados acima e um conhecimento de Corografia ptolomaica para se saber onde os eventos vão acontecer.

O senhor do eclipse

Ptolomeu define o senhor do eclipse como aquele que tiver mais domínio sobre o grau em que ocorre o eclipse do luminar e sobre o ângulo que estiver mais próximo do luminar eclipsado.

Segundo Ptolomeu, o planeta dominante será aquele que tiver o maior número de relações com o grau analisado:

  1. Regente domiciliar do grau analisado
  2. Regente da exaltação do grau
  3. Regente da triplicidade4 do grau
  4. Regente dos termos 5 do grau eclipsado
  5. Planeta que aspecta o grau analisado
  6. Finalizando, atribui-se um ponto ao planeta que fizer uma phasis6 em menos de sete dias do mapa analisado. O mapa do eclipse ocorre um dia antes de Mercúrio emergir dos raios do Sol, o que automaticamente dá um ponto a Mercúrio em qualquer análise que se fizer nesta figura.

Como falamos de um eclipse solar, o senhor seria um dentre os planetas com alguma relação de regência (domicílio, exaltação, triplicidade, termo) e aspecto ou phasis sobre o grau em que o Sol estiver no mapa. E como o Sol está próximo do Ascendente, devemos também ver qual planeta domina sobre o primeiro ângulo, com o mesmo tipo de análise.

Importante citar que Ptolomeu considera o Sol e a Lua muito genéricos para especificarem qualquer assunto, normalmente considerando como dominante apenas um dentre os cinco planetas - Saturno, Jupiter, Marte, Vênus, Mercúrio.

O Sol está em 21˚Leão, no próprio domicílio, na triplicidade do Sol, de Júpiter e de Saturno, nos termos de mercúrio e aspectado por mercúrio, Marte, Saturno, e Júpiter.

O ângulo mais próximo do Eclipse é o Ascendente em 29˚Leão. Ele tem as mesmas regências e disposições do sol, exceto pelos termos, que são de marte.

Fazendo uma tabelinha de dignidades, temos o seguinte:

Saturno Júpiter Marte Vênus Mercúrio
Senhor do Eclipse 2 2 1 0 3
Senhor do ângulo 2 2 2 0 1

O Senhor do eclipse é Mercúrio. Ele ganha um ponto por reger os termos do eclipse, um ponto por estar em conjunção por signo ao eclipse e um ponto por estar prestes a emergir dos raios do Sol.

O Senhor do Ascendente pode ser entre Saturno, Júpiter e Marte. Elegeria Marte por estar mais próximo de um ângulo do que Saturno e Júpiter e, ao mesmo tempo, por ter mais honras no local onde se encontra, o signo tropical de Escorpião.

Entre Mercúrio e Marte, Ptolomeu diz claramente que o senhor do eclipse tende a preponderar sobre o senhor do ângulo. Portanto, os significados mercuriais preponderariam sobre os significados marciais - muito embora possa haver o que os astrólogos tradicionais chamam de uma “co-mistura” entre eles.

Quando Mercúrio domina sobre um eclipse:

Mercúrio, se recebe a regência é, de forma geral, de natureza igual aos dos outros planetas com os quais ele esteja associado. Em particular, ele é acima de tudo estimulante, em previsões relacionadas aos homens ele é bom, prático e engenhoso em qualquer situação; mas ele causa roubos, assaltos, pirataria e invasões e, além disso, causa o insucesso das viagens quando está em algum aspecto com os maléficos, e gera doenças de secura, febres cotidianas, tosses, hemorragia e tuberculose.

Quando Marte domina sobre um eclipse:

Marte, quando assume sozinho a regência, é em geral a causa da destruição através da secura e, em particular, quando o evento diz respeito aos homens, causa as guerras, divisão civil, capturas, escravidão, motins, a ira dos líderes, e mortes súbitas surgindo destas causas; além disso, desordens febris, febres terçãs, hemorragias, mortes rápidas e violentas, especialmente no auge da vida; da mesma forma, violência, invasões, falta de leis, incêndios criminosos e assassinato, roubos e pirataria.

Pelo fato destes planetas predominarem na figura do eclipse, suas determinações locais serão muito importantes na significação da figura. Vamos usar o sistema de casa que Zoller usou até o fim da sua vida, Alchabitius Semi-Arco.

Mercúrio está na Casa 12 a partir do Ascendente determinado a intrigas e a conspirações. Ele rege as casas 11 e 2. Diz respeito ao sustento do povo e aos ministros do governo. Está mal disposto com relação à casa 2 por não aspectá-la.

Marte, por outro lado, rege as casas 9 e 4 da figura, estando posicionado na Casa 3, significando viagens, sonhos e religiões não hegemônicas. Sua regência sobre a casa 9 indica dogmatismo religioso com subsequente conflito. Marte está no signo de Escorpião, tradicionalmente associado aos árabes e ao islã.

Note que os luminares neste mapa estão simultaneamente em quadratura com Saturno e Marte. Saturno é significador de escassez e restrições, enquanto Marte de guerras e pestes. Quando ambos os maléficos estão em quadratura ou oposição, representam conflitos e violência gerando restrições, paranoia e escassez. Mas isso só acontece quando o aspecto ocorrer num mapa importante, como uma carta de ingresso do Sol em signos cardinais7… ou num eclipse solar como este.

Percebe-se que estes temas são muito importantes para definir o significado mais importante desta figura.

A estrela fixa que ganha senhorio na figura do eclipse.

Assim como podemos encontrar planetas com dominância sobre a figura do eclipse, também podemos encontrar a estrela fixa mais importante.

Neste caso, a estrela fixa mais importante será aquela que fizer alguma relação importante com o Sol na data mais próxima à data figura do eclipse.

É impressionante notar que Procyon fará uma ascensão heliacal no mesmo dia do eclipse8. Procyon é uma estrela considerada violenta em propósitos de astrologia mundial, e tem a natureza de Mercúrio e Marte, reforçando o significado conjunto destes dois planetas numa figura onde eles já dominavam.

Combinações mercúrio-marte são bem adequadas para representar terrorismo porque indicam engenhosidade, estratégia, engano e disfarce em prol da geração de um ato violento9.

A representação astrológica do terrorismo islâmico e dos Estados Unidos neste mapa: conclusões em conjunto.

Zoller foi muito claro que os Estados Unidos e o terrorismo islâmico estariam envolvidos nos eventos representados pelo eclipse. Mas como ele chegou a esta conclusão? É o tipo de raciocínio no qual os elementos da previsão astrológica são interdependentes: sem a presença da configuração “A”, a conclusão sobre o que “B” representa não seria possível.

O que vem a seguir é apenas especulação minha sobre qual teria sido a linha de raciocínio de Robert. Possivelmente, Zoller considerou que Estados Unidos, islã e o terrorismo estariam envolvidos num evento impactante ao se juntar todos os testemunhos desta carta, que são os seguintes:

  1. Os Estados Unidos estariam envolvidos (e, possivelmente, seriam o alvo) porque o eclipse é visível na costa leste americana e ocorre no signo de Leão, que é da triplicidade de fogo, relacionado ao noroeste do mundo a partir de Alexandria 10.
  2. Outros países da mesma região do mundo são significados por Leão, como a Itália, mas o país mais envolvido em relações tensas com o fundamentalismo islâmico são os Estados Unidos e, como veremos a seguir, há um sinal claro neste mapa do terrorismo islâmico envolvido - o que descarta o envolvimento italiano nestes eventos.
  3. O fundamentalismo islâmico neste caso é representado por Marte no signo de Escorpião regente da Casa 9 nesta figura, que aflige o Sol nesta figura e que conta com o testemunho de Saturno para significar conflitos ou com muitas vítimas. O signo de Escorpião11 é o significador por excelência dos árabes e do islamismo porque aparecem proeminentes em mapas da fundação do islã, (na grande conjunção que representa o advento da religião islâmica) e numa técnica de previsões mundiais chamada pelos árabes de Dawr.

Juntando todos os testemunhos acima, Zoller poderia ter concluído que o eclipse de Leão não afetaria a Itália - país tradicionalmente simbolizado por Leão - mas sim os Estados Unidos.

Sobre a demora nos eventos representados pelo eclipse

Entre 11 de agosto de 1999 e 11 de setembro de 2001, há dois anos e um mês. Considerando a técnica ptolomaica de timing dos eventos representados pelo eclipse, quando ele aconteceria do ponto de vista dos Estados Unidos?

Na figura do eclipse calculada para Nova Iorque, percebemos que o Sol eclipsado está acima do horizonte e muito próximo do Ascendente. Na técnica de timing, isso representa que os eventos relacionados ao eclipse seriam sentidos no máximo quatro meses depois12 do fenômeno aparecer nos céus. Entretanto, o próprio Zoller menciona no artigo13 que este eclipse teria seus eventos mais demorados que o usual - sem, contudo, justificar como ele chegou a esta conclusão.

Fazendo apenas um exercício especulativo, para que o eclipse de agosto de 1999 indicasse eventos quase dois anos depois, obedecendo à regra mencionada por Ptolomeu, a figura astrológica na qual ele se baseou deveria ter o Sol eclipsado ao redor da Casa 7. Zoller pode ter se baseado na própria experiência e definido outros critérios de timing, ou seguido as diretrizes de um autor mais tardio que Ptolomeu e que fuja do meu conhecimento atual14.

Alternativas em timing

Outras alternativas de timing podem ser interessantes neste caso, e previstas pela tradição. Autores como Mario Constantino consideram que um planeta com domínio sobre o eclipse podem desencadear os eventos prometidos à época em que estiver envolvido nalgum fenômeno celeste nos céus, como aparições/desaparições ou conjunções com o sol.

No caso em questão, ☿ faz uma aparição vespertina (isto é, aparece à frente do Sol na ordem zodiacal) cinco dias antes do atentado. Isto é muito interessante, porque ele é o planeta que domina sobre o eclipse. Contudo, entre o eclipse de 1999 e sua aparição vespertina, há vários outros fenômenos celestes dos quais Mercúrio participou e que não possuem uma clara correspondência com fatos. Em menos de três meses dos atentados, há no mínimo seis fenômenos a seguir:

  1. Em 16/06/2001 mercúrio faz uma conjunção com o Sol em Gêmeos
  2. Em 06/07/2001, mercúrio emerge dos raios solares em 29˚Touro
  3. Em 27/06/2001, mercúrio estaciona atrás do Sol em 26˚ Touro
  4. Em 29/07/2001, mercúrio desaparece nos raios solares em 2˚Câncer
  5. Em 05/08/2001, mercúrio faz uma conjunção superior15 ao Sol em 18˚Câncer
  6. Finalmente, em 06/09/2001, mercúrio emerge dos raios solares e aparece à frente do Sol (Ascensão vespertina).

Isso porque não vimos os fenômenos ocorridos no ano 2000 e no último quadrimestre de 1999. Teríamos no mínimo 18 fenômenos celestes envolvendo apenas o dominante do eclipse!

O eclipse de 1999 ocorre muito próximo de uma ascensão matutina de mercúrio (ocorrida em 6 de agosto de 1999), mas os atos representados ocorrem quando mercúrio emerge à frente do Sol.

Ainda não me é claro como Zoller chegou ao mês exato dos atentados, e parece que este segredo deve ter sido compartilhado com poucas pessoas, porque nem as testemunhas do email parecem saber a técnica empregada. Esta é uma boa razão para justificar que um astrólogo precisa divulgar o que sabe antes de morrer.

Notas de rodapé (com links para retorno ao texto de referência)


  1. Alphee considera orbes larguíssimas para aspectos entre o eclipse e pontos natais. Seguindo este critério, praticamente todo ser humano será afetado de alguma forma por um eclipse - algo que eu considero um exagero.  ↩

  2. Ao final do artigo mencionado, porém, Constantino define sua posição a favor da corrente que defende a representação de eventos mundiais pelo eclipse apenas nas áreas de visibilidade  ↩

  3. Mais conhecido entre nós como Placidus, o criador do sistema de casas mais popular do ocidente. Ou ao menos é a quem se reputa a criação do sistema de casas homônimo - nem sempre os sistemas de casas são criados por aqueles cujos nomes foram usados para nomeá-los, como Alchabitius.  ↩

  4. usarei triplicidades segundo Doroteu de Sidon  ↩

  5. usarei termos egípcios  ↩

  6. uma ocultação ou aparição dos raios do Sol  ↩

  7. isto é, no ingresso do Sol no primeiro grau de Áries, Câncer, Libra ou Capricórnio todo o ano  ↩

  8. A depender da extinção atmosférica empregada - tenho usado o valor de 0,09. Valores maiores de extinção atmosférica colocariam a ascensão heliacal de Procyon três dias depois do eclipse, o que ainda seria válido.  ↩

  9. astrólogos mais adeptos dos significados helenísticos levariam em conta não mercúrio, mas Saturno como significado de aparência enganosa  ↩

  10. local do qual Ptolomeu fez suas observações  ↩

  11. o planeta Vênus também representa o islã, mas não se envolve muito com os significadores na figura do eclipse  ↩

  12. considerando as estimativas ptolomaicas de que o eclipse solar pode indicar efeitos que duram dois anos, e que o intervalo entre o eclipse e o início dos eventos por ele representados pode ser de no máximo dois anos  ↩

  13. baseando-me em citações de quem leu a newsletter  ↩

  14. caberia este adendo em futuras edições deste artigo, quando tiver acesso a algum material produzido por Zoller e não divulgado nas redes  ↩

  15. quando mercúrio faz conjunção com o Sol em movimento direto  ↩

5 de out. de 2023

Breve história da Astrologia Horária

Índice Clicável

Introdução

A importância de se escrever este artigo reside no fato de haver muito pouca coisa a respeito da história da astrologia em geral, quiçá a astrologia horária.

As questões deste artigo, bem como outras sobre astrologia horária, serão abordadas na live que terei no dia 06 de outubro (amanhã) às 20h (horário brasileiro) e às 0h (Portugal).

Clique aqui para acessar o reel com os detalhes.

E clique aqui para acessar o perfil do jornalista Paulo Napoli, que será o host da live.

O que é astrologia horária?

Se você ainda não sabe, Astrologia Horária é o ramo da astrologia que pretende responder a questões muito específicas usando-se apenas um mapa, normalmente erguido no momento em que o astrólogo entende e recebe a questão, e para a localidade em que o astrólogo estiver1.

Não há um “decreto astrológico” escrito em algum livro antigo acerca do número de questões que apenas um mapa horário pode responder, mas eu tenho uma resposta clara acerca disto: o mapa horário se concentra em responder apenas uma pergunta, MAS ele pode fornecer detalhes complementares que fogem um pouco do escopo principal da questão. Se isso se configuraria numa segunda resposta a mais uma pergunta ou não, depende do consulente.

Aliás, o termo “astrologia horária” tem o seu primeiro registros nos escritos do astrólogo inglês William Lilly, no século XVII. Lilly apelida este ramo de “astrologia horária” porque consistia em se abrir um mapa na “hora” em que o consulente fazia a pergunta. Antes disso, a prática de se responder a questões específicas usando-se um mapa do momento era chamada de “Interrogações” ou “Questões”.

Quando surge a astrologia horária?

A astrologia como conhecemos - a leitura de uma “cartografia celestial” com propósitos oraculares - deve ter surgido na Babilônia. O intento de se conhecer, pela leitura de um mapa celeste, o destino de um ser humano específico também começa na Babilônia, mas se difunde como um ‘Boom’ no mediterrâneo durante o período Helenístico, a partir do século II a.E.C. Esse seria o começo da astrologia natal, praticada até hoje.

Uma forma primitiva de horária passa a ser mais encontrada nos registros deixados pelos astrólogos entre os séculos IV e V E.C., como veremos a seguir. Nesses registros, vemos os julgamentos dessas figuras executados de forma muito parecida com o julgamento de um mapa natal.

O único autor do período helenístico que deixou princípios claros de julgamento para essas figuras foi Doroteu de Sidon, no seu Pentateuco (chamado a partir da idade média de Poema da Astrologia, ou Carmen Astrologicum2). Esses princípios de julgamento visavam atender ao julgamento de figuras com uma finalidade um tanto ambígua. Não dá pra saber se esses princípios de julgamento eram para o que hoje chamamos de “astrologia horária” ou ao que hoje chamamos de “astrologia eletiva”.

Essa ambiguidade - bem como a definição do que seria “astrologia eletiva”- serão dissecadas a seguir.

Astrologia Horária é uma “filha feia” da Astrologia Eletiva?

Chris Brennan, um astrólogo contemporâneo de inspiração helenística, supõe que a astrologia horária tenha surgido da astrologia eletiva - e sua justificativa me soa lógica o bastante para se concordar.

Uma eletiva - também chamada de eleição - como o nome sugere, é um mapa cujo dia e hora são escolhidos cuidadosamente pelo astrólogo, atendendo a algum propósito. Por exemplo, se eu quero abrir um negócio de sucesso, eu devo começá-lo na hora em que mercúrio estiver afortunado e forte; de preferência, determinado à casa 10 e recebendo a aplicação do regente do ascendente. Isto porque Mercúrio é o melhor planeta para significar negócios e lucro.

Nem sempre o consulente terá tempo o bastante para esperar que o céu entregue uma boa eletiva, com todos os significadores desejados afortunados e fortes. Mais do que a limitação técnica do astrólogo, outra grande limitação da astrologia eletiva é a pressa do consulente. Pelo fato do consulente cobrar prazos muitas vezes estreitos, em muitos casos uma eletiva terá configurações que representarão resultados bem abaixo do esperado.

Talvez você esteja se perguntando: como a astrologia horária deriva disso tudo? É simples.

Os astrólogos que criavam e acompanhavam os desfechos de mapas eletivos para seus clientes começaram a perceber que os mapas eletivos que “deram errado” - isto é, que não promoveram o sucesso do evento como esperado - tinham como “prêmio de consolação” descrever acuradamente a situação do evento criado pelo consulente, com todos os erros e acertos que se poderia ter. O próximo passo foi lógico: se o mapa do começo do evento o descreve detalhadamente, eu também posso abrir mapas para começos de eventos que eu não escolhi, de modo a saber como eles terminarão.

E é isso que se percebe nos textos que chegaram até nós: até o quinto século da Era Comum, temos disponíveis mapas de eventos, isto é, mapas celestes para o momento e o local onde se começava um determinado evento social, como o começo de uma viagem, a coroação de um rei ou a entrada de um rei e seu exército numa cidade murada. Esses mapas seriam chamados de Katarche, que significa “começo” em grego. A leitura desse mapa mostraria se o desfecho3 do evento seria bom ou ruim e parece em quase todos que a hora do evento não foi escolhida pelo astrólogo - não se colocando, portanto, na categoria de “eleição astrológica”. Entretanto, note que a data e o horário desses mapas eram os horários dos começos desses eventos - daí o termo “começo” para se referir a este tipo de mapa. Se os registros estiverem corretos, estes seriam os primórdios da astrologia horária.

O livro Greek Horoscopes reúne uma coletânea de mapas astrológicos do primeiro ao quinto séculos, a maioria natividades, mas também inclui algumas Katarches. É interessante notar que não há sequer uma katarche visando responder perguntas ou elucubrações do consulente acerca de eventos que não estavam ocorrendo no momento do mapa. Este tipo de questão eu encontro mais facilmente a partir do período árabe da astrologia4, quando já vemos Masha’Allah respondendo a questões como “obterei um reino?” ou “receberei um dinheiro?”. Note que não há evento algum que precipite a abertura desses mapas, apenas as especulações dos consulentes.

O período árabe da astrologia horária - inclusão de novas configurações e o começo da “abstração”

É apenas a partir do período árabe medieval quando percebo5 o que seria uma evolução impactante da astrologia horária, tanto na forma quanto no conteúdo. Percebemos a inclusão de novas configurações astrológicas, nunca antes mencionadas nos autores helenísticos, como Paulo de Alexandria e Antíoco de Atenas.

Os árabes estenderam o conceito de aplicação e separação dos planetas não apenas à Lua, como se percebe na obra Firmicus Maternus, mas a todos os sete planetas visíveis. A astrologia horária ficava menos estática, dando-se mais ênfase à movimentação dos planetas, contrastando com o modelo estático e muito mais próximo da técnica empregada no julgamento de mapas natais, observado nas katarches do período helênico que chegaram até nós.

Também houve a percepção de configurações que poderiam adiantar, retardar, promover ou impedir o desfecho de uma questão, como o retorno de luz, a translação de luz e outras dinâmicas interplanetárias citadas por Abu Ma’Shar e repetidas na obra do italiano Guido Bonatti. Mas também houve uma revolução mais silenciosa, nos critérios de abertura dos mapas horários.

Nos registros reminescentes de Bagdá por volta dos séculos VIII e IX, mapas abertos no começo de um evento tinham propósitos eletivos. O maior exemplo disto é o mapa da fundação de Bagdá. Em contraste, os mapas de interrogações poderiam ser abertos a qualquer hora, não necessariamente no começo do evento do qual se deseja saber. Geralmente, a hora de se abrir o mapa da interrogação era aquela em que o astrólogo entendesse a questão proposta pelo consulente, mesmo que esse momento não coincidisse com o começo do evento o qual se deseja saber. Foi o começo de um processo de abstração maior dos questionamentos.

Talvez nem mesmo os árabes tenham percebido isto, mas foi a partir da sua época que as possibilidades de questionamentos se tornaram infinitas: Quando se começou a fazer mapas de questões a qualquer hora, abriu-se margem para se questionar sobre qualquer coisa, por mais insólita e irrealizável que ela fosse. Pra mim, o ápice da abstração foi a horária registrada no Christian Astrology de William Lilly, quando o consulente era um alquimista e perguntou a Lilly se ele "obteria a Pedra Filosofal.

Se eu não abro o mapa no começo de um evento, obrigatoriamente estou incluindo, dentre os desfechos possíveis, uma possibilidade de que o evento nunca se realizará. Mas a beleza da astrologia é que, ao incluir essa possibilidade, autores mais atentos passaram a perceber nos mapas de questões que também haveria configurações indicadoras de assuntos que “não teriam começo nem fim”, como disse o bom e velho Abu Ma’Shar.

Abstração e aplicação em casas cadentes

A mudança que se percebe no período árabe medieval pode soar tímida, mas ela marca uma evolução significativa no pensamento astrológico. Ela torna possível se fazer qualquer pergunta sobre qualquer assunto a qualquer momento. Entretanto, isso torna necessária o início da percepção, por parte dos astrólogos árabes, de configurações astrológicas representativas de um evento que sequer aconteceria e que ficaria apenas no campo de ideias (estapafúrdias ou não) do consulente.

A primeira evidência do mapa horário ser capaz de indicar coisas que seriam apenas ideias sem realização está no conceito de “retorno de luz” dado por Abu Ma’Shar no Kitāb al-mudḫal al-kabīr ilā ʿilm aḥkām an-nuǧūm (A Grande Introdução à Astrologia):

Retorno com a corrupção é de dois tipos.

O 1º tipo é quando o doador6 está cadente e o receptor7 está retrógrado ou queimado e, simultaneamente, angular ou sucedente. Quando devolve ao doador o que dele recebeu, por causa de sua condição retrógrada ou queimada, e não o aceita, o assunto é corrompido após ser estabelecido.

O 2º tipo é quando doador e o receptor estão cadentes ou queimados e ele (o receptor) devolve a ele (o doador) o que recebeu por causa da condição de seu retrocesso ou estar sob os raios, e destrói seu gerenciamento, e o doador não é forte o suficiente para aceitar. É quando indica que o assunto não pode ser iniciado nem terminado.

Para provar meu ponto de vista, nos interessa no momento o segundo tipo de retorno com corrupção. Segundo Abu Ma’Shar, quando um planeta está cadente (se separando de um ângulo) ou queimado (invisível por estar sob os raios do sol) e se aplica a outro planeta queimado ou cadente (mas, ao mesmo tempo obrigatoriamente retrógrado), então o planeta retrógrado queimado devolve ao planeta doador da disposição (o mais rápido, que se aplicou no aspecto) o assunto. Entretanto, como o planeta doador está cadente ou queimado, ele é incapaz de lidar com a questão. Nesse caso, a questão não tem início nem fim.

É muito simples exemplificar este conceito. Certa vez, uma amiga perguntou se ela trabalharia como garçonete dentro de um cruzeiro. Seria perfeito para saciar sua vontade de viajar e, ao mesmo tempo, lhe renderia um salário em dólar. Ao abrir a horária, tanto o significador do emprego quanto o significador da consulente estavam nas condições citadas por Abu Ma’Shar - o segundo tipo de retorno com corrupção. Diante disso, disse que ela não faria nada para realizar tal intento, sendo apenas mera cogitação. De fato, ela não levantou um glúteo sequer da cadeira em prol de fazer alguma coisa para conseguir o emprego, nem mesmo enviou por email seu currículo. No mundo material, a ideia não teve um começo, tampouco um fim.

Dizer que uma coisa “não tem começo nem fim” depende de um panorama filosófico platônico, que divide o mundo entre ideias e matéria. Hoje em dia, muitas pessoas podem pensar que uma ideia é o começo de alguma coisa, mas Abu Ma’Shar define como começo alguma manifestação material da ideia. Uma coisa pode povoar o campo das ideias sem ter uma contraparte material. Com isso, ela não teria um começo, e não havendo um início, o fim também não existirá. Quantas ideias não verão a luz do sol sob a forma de matéria, mesmo que matéria aqui sejam meros pixels na tela de um simples site na internet…

Astrologia horária hoje

Chegamos ao século XXI com a astrologia horária apresentando tipos de perguntas muito parecidas (na essência) com aquelas vistas nos livros a partir da idade média, mas também incluindo questionamentos cada vez mais insólitos e abstratos, explorando os limites da arte.

Excetuando as questões que são reflexos dos tempos medievais (como “onde está meu escravo fujão?”), eu diria que o núcleo dos questionamentos mudou muito pouco de lá pra cá. Cientistas sociais e historiadores podem perdoar minha visão leiga, mas eu sinto que em qualquer época o ser humano parece buscar alguma forma de respeito social, proteção e sexo, e isso se reflete na pouca alteração dos desejos implícitos nas perguntas dos consulentes até hoje. Em muitos casos, situações típicas dos tempos modernos, sofisticadas e complicadas, difíceis de serem simbolizadas astrologicamente, devem ser resumidas à suas essências, sendo este o maior obstáculo que o astrólogo horário deve ultrapassar hoje.

Como abordado anteriormente, o fenômeno da abstração surge no período medieval, mas ele veio para ficar. Podemos ver hoje exemplos de abstração na aplicação da astrologia horária quando recebo perguntas do tipo “Vou ficar com fulano?”. Na maior parte das ocorrências desse tipo de questão, há contraparte material/social que a torna plausível - isto é, fulano já demonstrou algum interesse pelo consulente - mas há uma pequena percentagem dessas questões nas quais fulano mostra desprezo absoluto pelo consulente e, mesmo assim, ele faz a questão - e isto não parece ser um problema para a astrologia horária, porque a resposta mais frequente nesse caso é que eles nunca ficarão juntos.

Eu já cheguei a ver a astrologia horária contemplando até mesmo situações que chamaríamos hoje de “multiversos”: como seriam certas realidades paralelas concernentes a assuntos específicos? Já vi gente fazendo perguntas do tipo “Como seria se eu abrisse um negócio?” (mesmo não tendo feito absolutamente nada para realizá-lo). O problema dessas perguntas é que nunca vamos saber o desfecho real se a pessoa não se dispuser a realizá-lo.

É por isso que a astrologia tem uma contraparte de fé. Em alguns casos, é preciso acreditar. Para a maioria dos casos, crer é desnecessário: quando o mapa é julgado corretamente, as coisas acontecem exatamente do jeito que o astrólogo vaticinou, deixando céticos de queixo caído. Você pode questionar se a astrologia funciona quando se prediz coisas inespecíficas, mas isso fica mais difícil quando se acerta em quantos dias ou meses um evento concreto vai ocorrer.


  1. essa distinção é importante em tempos de comunicação via internet. Pré internet/telefone/telégrafo, o encontro do consulente (ou do seu representante) e do astrólogo era quase compulsório, exceto em horárias respondidas através de cartas. Nestes casos, a horária era respondida com a hora e o local em que o astrólogo lesse a carta.  ↩

  2. o original em grego, de fato, era escrito em formato de poesia  ↩

  3. Aliás, o fato de usar o termo “desfecho” tem uma importância significativa. A astrologia até então não era chamada de “astrologia”, mas sim de “Apotelesmatika”. “Apotelesma” significa “desfecho”. O que nós fazemos até hoje é um saber oracular visando conhecer desfechos - como uma pessoa ou evento vai terminar - mais do que processos ou mais do que seus entremeios ou caminhos até o desfecho. Para a astrologia, pouco interessa como uma pessoa vai caminhando até chegar na manifestação de um prognóstico em sua vida - muitas vezes, é possível saber se esse desenvolvimento é suave ou difícil, mas nada mais do que informações grosseiras sobre.  ↩

  4. Minha formação histórica depende das fontes disponíveis, mas parece que estou mais ou menos alinhado com historiadores que contam com um volume de material muito mais farto de fontes primárias  ↩

  5. somos reféns das evidências históricas. Pode até ser que estas evoluções tenham surgido antes do período árabe, mas sem documentos para comprovar, não temos nada a dizer.  ↩

  6. o planeta mais rápido que se aplica em aspecto ao planeta mais lento  ↩

  7. o planeta mais lento, que recebe a aplicação do mais rápido  ↩

21 de set. de 2023

Desconstruindo o mapa 02 - as motivações de vida de Gisele Bündchen

Na segunda edição desta série que não terá fim, vamos analisar as motivações de vida de Gisele Bündchen. 

Eu sei que ela foi vítima do olhar deste astrólogo em artigos anteriores, mas estou achando melhor insistir em alguns pontos do mesmo mapa para mostrar o número de camadas de profundidade que pode ter uma natividade de uma pessoa que a nossa sociedade machista consideraria superficial.

Motivação de vida

Robert Zoller dizia que a motivação de vida de alguém seria mostrada pelos regentes do Ascendente da sua natividade. O termo "motivação de vida" soa um tanto moderno. Não conseguimos imaginar uma pessoa do período medieval buscando motivação de vida quando pensamos que sua preocupação maior era ter comida no jantar. Mas isso é uma visão estereotipada do período medieval, que podia ser muito farto e descontraído a depender da época e da região do mundo em que se vivia. 

No caso, se você fosse integrante da elite árabe, possivelmente poderia se preocupar com motivações de vida, porque, ao que parece, isso era conhecido e dito de outra forma. De fato, não se usava o termo "motivação de vida", mas Sahl Ibn Bišr dizia que a pessoa "deseja buscar a substância do signo onde está seu regente do ascendente". Confesso que acho esse modo de dizer mais bonito do que "motivação de vida", que soa expressão cafona de livros de auto ajuda.

Dito isto, vejamos o que Gisele Bündchen busca:

O Ascendente é Capricórnio ♑. Os primeiros planetas que podemos analisar são o regente do domicílio e o regente da exaltação deste signo. Se as coisas derem muito erradas com esses regentes, daí vemos os regentes da triplicidade e dos termos do grau do Ascendente.

Antes de dizer o que os regentes significam, é preciso analisar o que o signo Ascendente representa enquanto motivação. ♑ é um signo móvel (cardinal) de terra. Terra quer consolidação e estrutura, e o móvel quer movimento e mudança. Os dois termos soam antagônicos, mas não há nada impossível para a retórica humana, e podemos conciliá-los. E se há espaço para tal manobra na retórica, também há no imaginário e na realidade. ♑ se movimenta, rompe e muda visando estruturação, consolidação. É o signo das reformas estruturais, do "vamos mudar pra deixar de um jeito consistente, sólido". 

Usando de palavras tão pomposas, parece complicado traduzir isso para um ser humano com metas individualistas, e talvez seja por isso que ♑ seja muito relacionado à coletividade, mas não se engane: ter ascendente ♑ não faz de você imediatamente um altruísta preocupado com causas humanitárias. Essa mudança para consolidar pode dizer respeito à própria vida! E se você tem ascendente Capricórnio e nasce no meio de uma família com circunstâncias de vida instáveis? Eu aposto que dentro de você haveria um desejo de mudar tudo isso para que as coisas ficassem estáveis e prósperas - sendo que isso nada tem a ver com construir poços artesianos e alimentar crianças desnutridas num país distante.

Uma vez sabendo a substância do signo, resta saber como se buscará a realização da mesma pelos regentes do ascendente. Os primeiros planetas a se pensar são ♄ e ♂, regentes do domicílio e da exaltação de ♑, respectivamente.

Robert Zoller tem regras de interpretação um tanto restritas. Ele diz que a melhor maneira de nos certificarmos de que a motivação de vida será realizada é ter o regente do ascendente numa boa casa, desimpedido e sem a corrupção da sua esse, ou seja, com boas dignidades - e isso exclui o detrimento e a queda. 

Eu procedo da seguinte forma: nunca falo pro cliente que ele não vai realizar esta ou aquela motivação. Se ele tiver um planeta com condição questionável, eu digo que será difícil realizar a motivação indicada. Apenas se a condição do planeta for muito ruim que eu vaticino que será impossível realizá-la.

Os dois planetas de Gisele que teriam a maior autoridade sobre o Ascendente estão em condições que Zoller consideraria medianas... Apesar de ♂ estar na casa 10, ele se encontra em detrimento. Quando isso ocorre, Zoller buscaria outros planetas com autoridade sobre o Ascendente. Mas podemos dizer seguramente a Giselle que uma maneira que ela tentará mudar suas circunstâncias de vida para lhe trazer mais estabilidade (a motivação do capricórnio) é do jeito representado por ♂ na 10: se engajar em uma carreira de modo competitivo e tomar posições arriscadas. 

É claro que hoje temos a vantagem da retrospectiva para sabermos que Gisele teve muito sucesso na sua carreira. Diante disto, estamos diante de uma encruzilhada teórica: devemos alinhar o planeta que representa a motivação de vida com a realidade que o cerca e dizer que ♂ realizou as motivações de Gisele? Ou, mesmo tendo sucesso, podemos supor que Gisele não ficou satisfeita com aquilo que conseguiu, o que indicaria a condição de detrimento do seu ♂? Ambas as situações são possíveis. Conheço relatos de gente que se mantém insatisfeita mesmo tendo conquistado coisas que a maioria da humanidade nunca atingirá.

A favor de ♂, temos que ele é aspectado pelo seu regente, ♀. Há uma recepção, e isto indica realização. Em astrologia horária, essa recepção seria desconsiderada porque ♀ não vai se aplicar a ♂. Em astrologia natal, a experiência nos mostra que podemos considerar recepções por signo como esta. Robert Hand é um dos advogados dessa "postura relaxada" com as recepções em mapas natais - isso não quer dizer nada além da opinião de um astrólogo que faz isso há mais de 50 anos. 

Outra coisa a favor de ♂ ter realizado a motivação de vida é perceber o quanto de fortuna Gisele amealhou em 20 anos de carreira. Ora, se ♑ é um signo de terra, e a motivação deste signo é consolidação e estruturação, então podemos dizer que a estrutura montada por Gisele é consolidada e resistente o bastante para que até seus netos não trabalhem, se assim desejarem. Por hora, eu acredito que esse ♂ realizou sua motivação de vida.

O primeiro planeta que deveríamos olhar, mas que eu deixei por último, é ♄. Ele está numa condição "menos pior" que ♂, peregrino no signo de ♍. Zoller não enxergaria esse "peregrino" com bons olhos. Um planeta peregrino está num signo que não tem dignidades. Mas veja que ♄, usando os mesmos critérios relaxados de Robert Hand, também é recebido por ☿ e conta com uma ☌ com ♃. Para mim, é um sinal claro que ela realizaria sua motivação de vida também através de ♄. 

Interpretar o que ♄ representa a princípio soa simples, mas esta é a armadilha da casa 9. Todo planeta que indica motivação de vida, quando se encontra na casa 9, nos dá imediatamente a vontade de dizer que a motivação da pessoa será realizada em viagens de lazer, completamente superficiais e sem o lastro da substância indicada pelo signo Ascendente. 

De fato, viagens de lazer como realização da casa 9 é comum, mas, como estamos falando da vida inteira de uma pessoa, ela fará muito mais coisas do que apenas viajar a lazer, e essa casa 9 pode se manifestar de formas menos nomádicas, ou contemplar viagens com propósitos mais sérios.Eu esperaria esse tipo de profundidade com um ♄ regendo o Ascendente e posicionado na casa 9.

Se a motivação de ♑ é mudança estrutural, e o regente é ♄ em signo de terra na casa 9, o que indica essas coisas? Talvez a micro biografia do site de Gisele nos mostre:

Em 2003, aos 23 anos, Gi estava cansada da vida agitada, então deu uma pausa na carreira, passou uma temporada em Horizontina, viajou para a África com nossos pais, arrumou um tempo para si e apenas relaxou. Como ela começou a trabalhar ainda jovem e assumiu responsabilidades de adulta, ela perdeu uma fase da vida que eu pessoalmente achei a mais divertida – a adolescência. Das 14 às 20, era tudo uma questão de trabalho. Ela nunca gostou de festas, mas gostava de sair com os amigos. Sua prioridade era o trabalho e ela estava empenhada em ter sucesso.

Nesse momento de introspecção, Gi teve tempo para pensar. Ela sentia que havia algo maior por trás de todas as suas realizações e tinha um desejo profundo de resgatar suas raízes e as coisas simples, como estar em contato com a natureza. Era ali que ela costumava se refugiar para renovar as energias e encontrar o seu centro.

Em 2004, ela visitou uma tribo indígena no Rio Xingu e viu de perto os problemas que a comunidade enfrentava devido ao desmatamento e à poluição dos rios. Desde então, ela tem defendido causas ambientais e apoiado inúmeros projetos, incluindo o projeto da nossa família para limpar a água da nossa cidade natal, denominado Projeto Água Limpa. Ela foi reconhecida pela ONU por seus esforços e nomeada Embaixadora da Boa Vontade para o Meio Ambiente pelo PNUMA.

Pela primeira vez, nós vemos na biografia dela a faceta altruísta do ♑, reportada por alguns autores modernos. Mas note que isso só ocorreu quando ela conseguiu consolidar a própria vida. Isto não é algo obrigatório com pessoas que possuam este Ascendente. Cada um tem seu caminho, representado pela disposição individualizada dos planetas nas suas cartas de nascimento. Mas é algo que pode acontecer que encontra ecos tanto na astrologia moderna e - como estamos vendo neste artigo - na astrologia tradicional.

Ajudar os outros de alguma forma não é algo exclusivo de pessoas com Ascendente Capricórnio. Mas quando ela ajuda desta forma, ela reestrutura alguma faceta da realidade pré-existente. Ela quer conservar e consolidar algo ameaçado, como as águas da cidade onde mora. Isso se sintoniza muito bem com a motivação de vida do capricórnio. Outros ascendentes podem ajudar as pessoas, mas não exatamente desta forma. Nas palavras do meu mestre:

Capricórnio parece tomar iniciativa porque é muito ativo. Na verdade, funcionam melhor em situações construídas por outras pessoas ou num ambiente estruturado. Na verdade, eles são motivados pela consciência da necessidade ou de algo que falta.

Minha tendência é encarar com cinismo qualquer empreendimento altruísta de uma celebridade, supondo ser parte de um jogo de xadrez cuja meta final seja fama e dinheiro. Trata-se de um pensamento enviesado da minha parte, tão acostumado ao cinismo das nossas celebridades brasileiras e internacionais. Há que se admitir que até pessoas famosas e endinheiradas podem ser autênticas ao fazerem boas ações. Neste caso, eu considero autêntico esses movimentos de Gisele, ainda que isso tenha como subproduto mais óbvio a construção de uma imagem positiva.

Este artigo foi lançado completo e com antecedência no meu patreon, com observações complementares muito interessantes e úteis. Para ter acesso, é só assinar.

 

9 de set. de 2023

O maléfico Marte no mapa de Gisele Bündchen

 Vou começar com a premissa que servirá de base para todas as ideias desenvolvidas no artigo:

Quando planetas maléficos são determinados a casas lucrativas da figura natal, eles indicam benefícios ao nascido às custas do sofrimento ou da negação dos benefícios a outros.

Recentemente eu escrevi um artigo sobre algumas configurações encontradas no mapa de Gisele Bündchen - texto esse disponível apenas para assinantes do meu Patreon. 

Comentei sobre o artigo com minha mulher, e ela me rememorou o aforismo acima ao observarmos o ♂ do mapa da Gisele. 

 

Apesar do ♂ de Gisele estar em detrimento - o que faria vários astrólogos errarem feio na análise - trata-se de um super planeta. Ele rege o Lote da Fortuna, está conjunto à cúspide da Casa 10 e em ☌ com o Lote do Espírito e o Lote da Exaltação e é aspectada pela sua regente, ♀. 

Marte só peca um pouco por estar ocidental ao Sol, indicando uma realização tardia, o que contraria o que já aconteceu na vida da super modelo: Toda modelo precisa de beleza, e beleza é altamente dependente de colágeno. Logo, todas começam cedo na vida. Entretanto, a ocidentalidade de ♂ pode mesmo assim indicar uma realização tardia e provavelmente esse Marte ainda tem muita gasolina pra queimar: talvez veremos mais peripécias desta mulher adiante - não necessariamente relacionada ao seu físico, ainda que bastante preservado. Talvez vejamos uma ação maior dela nos períodos de Marte segundo o método de Balbillus (o astrólogo do imperador Tibério), que começam em 2031, ou na Firdaria de Marte, que vai começar quando Gisele completar 63 anos, em 2043.

A prova de que esse ♂ é bom está nos períodos planetários que já ocorreram. Foi durante o período de ♏ do Lançamento Zodiacal do Lote do Espírito - regido por ♂ - que ela alcançou o estrelato como Supermodel.

Como vemos que esse ♂ só deu alegrias à supermodelo, minha mulher disse que o aforismo acima se encaixa perfeitamente na interpretação do ♂ de Gisele. Trata-se de um maléfico em boa condição numa casa lucrativa. Segundo o aforismo, um maléfico numa boa condição em casa lucrativa seria muito bom a ela, em detrimento de ter feito mal a outras pessoas.

Que mal Gisele teria feito a alguém? Uma hipótese da minha mulher seria mais sociológica do que em interações pessoais episódicas: ter um padrão de beleza inalcançável para milhões de seres humanos de diversas etnias; padrão esse pelo qual milhões de mulheres se mutilaram para alcançá-lo. Talvez este número dimensione seu impacto:

Em 2000, Bündchen foi apelidada de "Boobs from Brazil" por inspirar as 36 mil cirurgias de aumento de mama realizadas naquele ano no Brasil.
(fonte: Wikipedia)

Como estamos falando de uma mulher com projeção internacional, será que ela teria mesmo feito mal a tanta gente assim? Será que Gisele pode "emitir esse recibo" de culpa?

Vettius Valens diz que maléficos em mapas de pessoas muito importantes tendem a representar o mal ao seu povo, não a si mesmas. Isso é dito no contexto em que Valens fala de mapas de imperadores. Os maléficos nos mapas de Hitler, George W. Bush e outros déspotas de soluções "geniais" indicam na verdade o opróbrio de populações inteiras. Mas será que podemos estender essa ideia a mapas de celebridades influentes como modelos e jogadores de futebol?

Desconfio que não teria essa discussão com minha mulher há dez anos atrás. Essas questões sobre padrões de beleza femininos opressores são historicamente muito recentes no imaginário coletivo. É claro, elas devem povoar as cabeças dos intelectuais há décadas, mas nós, pobres mortais iletrados, nunca fomos muito sensibilizados por discussões assim até recentemente. 

A grande questão que devemos levantar neste momento é a seguinte: será que podemos considerar esse tipo de mal causado por Gisele como a ação de ♂? E se o mal causado por ♂ for apenas ter vencido concorrentes no mundo fashion e/ou ser uma colega de trabalho difícil de se trabalhar (como já foi citado por um fotógrafo de moda)? 

Minha tendência é discordar da hipótese do "malefício sociológico". Seguindo a lógica do "padrão de beleza opressor", toda supermodelo teria uma influência muito nefasta sobre os padrões de beleza do imaginário coletivo, e nem toda modelo terá ♂ representando sua carreira. Basta dar uma zapeada por todos os mapas presentes na catedoria "modelo" do AstroDataBank para fazer valer o meu ponto de vista (clique aqui para conhecer).

Os "padrões de beleza opressores" estão dentro de uma série de valores que caracterizam a supraestrutura da sociedade capitalista moderna, que não dependem de mapas natais isolados para acontecer. Se não existisse uma Gisele Bündchen - como de fato não existiu esta modelo nas passarelas do mundo até o ano de 1994, quando ela começou a desfilar - nós teríamos esses valores impostos sobre o povo do mesmo jeito, agenciados, é claro, por outras modelos, que não necessariamente teriam ♂ angular e regendo um dos lotes da fortuna ou do espírito.

Acredito que esse ♂ represente alguns eventos na vida de Gisele, como suas frases polêmicas, seu trato com colegas de trabalho e subalternos e otras cositas mas. Só não sei se devemos colocar nas costas dela a pecha de ter oprimido milhões de mulheres. 

5 de set. de 2023

Desconstruindo o mapa, 1ª edição - análise "pseudocega" do mapa de Gisele Bündchen

 

 
Hoje, vamos fazer um exercício mental.Vamos fingir que não sabemos que a dona do mapa acima é Gisele Bündchen. Esse exercício nos ajudará a perceber algumas ciladas da interpretação do mapa.
 
Alguns dirão que fazer isso é se enganar, mas acho plenamente possível um exercício como esse. Basta aplicar no mapa o método que você costuma usar às cegas e comparar com a realidade. O problema é que se tornou comum na "imprensa astrológica da internet" olhar um mapa com destino conhecido e forçar a barra até o cubo se encaixar no buraco da esfera.


Para fazer esse exercício, só é necessária uma coisa: HONESTIDADE INTELECTUAL. "Como você interpretaria esse mapa se não soubesse de quem ele é?" Eis a questão.

Este será o único artigo integral que constará no blogue. As próximas edições completas serão veiculadas somente no meu Patreon. Se quiser ter acesso integral, é só assinar.

Marte angular - Uma cirurgiã plástica que o mundo perdeu?

A primeira coisa que me chama atenção neste mapa é ♂ angular. Se levarmos em conta sua angularidade, ele seria facilmente escolhido por vários astrólogos como um significador profissional - sendo que a vida dela prova que não!

Muita gente acharia que Gisele seria uma advogada com esse ♂ e ☿ angulares. Ou pensaria que ela trabalha com construção civil ou mineração pelo fato de ♂ reger a casa 4. Por quê? simplesmente porque o método helenístico recomenda priorizar planetas angulares (nos 1º, 4º, 7º e 10º signos).

 
Se eu estivesse interpretando este mapa sem saber de que é, a única coisa que me impediria temporariamente de escolher este planeta como o significador da profissão de Gisele é o pensamento de que seria necessário mais testemunhos.  Aqui, ☿ mostra testemunhos que ♂ não tem:

  • ☿ também está angular;
  • ☿ está intimamente envolvido com a lunação anterior ao nascimento, estando em ☌ com ela. 
  • ☿ está no mesmo signo do Sol e receberá uma aplicação da ☽ (ele não será o próximo a receber a aplicação lunar, mas logo em seguida a ♃. Comparativamente, isso ainda é melhor que ♂, que não receberá aplicação nenhuma porque está em aversão à ☽).
  • ☿ está prestes a emergir dos raios solares

Enquanto isso, vamos delinear os outros dois planetas que podem representar profissão em qualquer mapa, ♀ e ♂:

Vênus

  • Rege o Meio do Céu
  • está numa das casas que significam trabalho, a casa 6 segundo Paulus. Entretanto, peca por não aspectar o grau do meio do céu com menos de 3˚ de orbe. Esses dois testemunhos também são muito fortes.

Marte

  • Rege um dos ângulos, a casa 4
  • Rege o Lote da Fortuna
  • Está conjunto ao Lote do Espírito
  • Está angular

Respondendo à questão formulada no começo do texto, posso afirmar categoricamente que essa etapa da delineação eu realmente faria. O problemão vem a seguir.

O que representa esse mercúrio? 

Apesar de ♂ ter o mesmo número de votos que ☿, os critérios preenchidos por ☿ são mais importantes. Não tem jeito mesmo, o melhor planeta para significar profissão é ☿.

Mesmo que ☿ seja eleito o significador principal, ainda é muito difícil saber o que ele realmente é profissionalmente. ☿ pode significar uma penca de profissões! Além disso, o método da delineação profissional é muito mal explicado pelos autores medievais, até mesmo por Robert Zoller. Eu sinto que falta uma honesta apresentação do tema para os estudantes. 
 
Devo confessar que provavelmente não acertaria de cara qual seria a profissão de Gisele usando métodos ocidentais de astrologia. Mas entre o que eu faria e o que a teoria recomenda, há um gap. Além de eu não ser um representante fiel da teoria que aprendi nos meus cursos por aí, os textos não tem explicações muito claras do que fazer com os significadores! 
 
Tentando ser mais fiel ao que aprendi, precisamos delinear a posição, regência e aspectos que ☿ recebe, além do seu signo. Ptolomeu fala de ☿ o seguinte:
“Mercúrio produz escritores, superintendentes de negócios, contadores, professores de ciências, comerciantes e banqueiros, também adivinhos, astrólogos, atendentes e sacrificadores e, em suma, todos aqueles que vivem pelo exercício da literatura e fornecendo explicações ou interpretações, bem como por salário ou subsídio.”
Neste mapa, porém, não temos um ☿ "puro". Ele dispõe de ♀, ♄ e ♃ que estão nos seus signos, ♊ e ♍. Com exceção de ♀, ☿ aspecta a ♄ e a ♃.
 
Para mim, se interpretasse esse mapa sem saber de quem ele é, seria muito difícil sortear, dentre os planetas dispostos por ☿, qual deles seria o principal testemunho que ☿ poderia receber para especificar melhor qual seria sua profissão. 
 
As instruções que vem a seguir não são as que eu aplicaria - e por isso, provavelmente eu erraria a leitura desse significador profissional. Entretanto, estas instruções parecem as mais corretas e fazem sentido dentro do raciocínio astrológico tradicional.

O Gabarito (?) da questão

Sabemos que Gisele foi modelo e atriz. Isso indica um claro testemunho de ♀ misturado com ☿ sobre a carreira. Já encontramos ☿ como significador profissional. Para acertarmos a interpretação, o correto seria misturar o testemunho do significador profissional com o regente da casa 10. Podemos fazer isso porque eles interagem no mapa por disposição  (☿ dispõe de ♀) e porque o significador profissional e o regente da 10 dizem respeito a carreira. Tendo feito isso, chegaríamos à conclusão correta.
 
Os aspectos de ♄ e de ♃ forneceriam detalhes ao que já foi encontrado na mistura de ♀ e de ☿. Portanto, quando levarmos em conta os aspectos de ♃ e de ♄, não devemos esquecer tudo que já foi dito de ♀ e de ☿ e começar do zero. Por exemplo, eu não posso dizer que ☿ em aspecto com ♄ indicaria um cientista, porque já vimos que o principal obtido por ♀ e por ☿ é uma pessoa que lida com estética. Assim, o devemos pescar nos aspectos de ♃ e de ♄ apenas coisas que ajudem a especificar o que ♀ e ☿ representam.

Usando os aspectos dessa forma, vemos que ♄ indica um envolvimento da profissão com o corpo porque ele é o regente do Ascendente. Também teria relação com restrições dietéticas porque ♄ rege a casa 2. ♃ regente da 12 indicaria tabu; sua regência sobre a casa 3 indicaria viagens (e os indianos diriam que a 3 sempre está envolvida em alguma expressão artística ou estética, coisa que não se faz na astrologia medieval do ocidente). ♀ dispõe da 10 (carreira, fama) e da 5 (essa sim, segundo a tradição do ocidente, uma casa que poderia se relacionar com estética, por ser a casa onde ♀ se regozija).
 
Achar esses significados pela astrologia indiana ainda seria difícil. Um pouco menos, porém.

Enquanto isso, na Índia...

Se usarmos as técnicas de Maharishi Jaimini, um autor indiano, o que temos aqui? O atmakaraka (significador da alma) é o Sol, porque é o planeta que percorreu o maior número de graus no signo onde se encontra. Sol está no mesmo signo de ☿. Gisele teria como significadora profissional já dois planetas: ☉ e ☿. Isso dá potencial para algumas profissões, desde que as casas que signifiquem essas profissões estejam em contato com esses planetas através do aspecto dos seus regentes. Com esses planetas, Gisele teria potencial para ser política, funcionária pública, atriz. Modelos performam sob as mesmas lógicas subjacentes aos trabalhos de atrizes, (obviamente não com o mesmo preparo). Excluo a possibilidade de ☿ indicar escrita porque a ☽ não está envolvida. 
 
O ☉ pode indicar políticos ou funcionários públicos, ainda mais que ele é aspectado pelo regente da casa 6 (empregos), que dispõe do regente da casa 10. Entretanto, isso ainda não aconteceu e me indago se ocorrerá um dia. Possivelmente, o dasha ativado no momento em que a carreira iniciou não deve ter ativado esses planetas, e por isso que hoje Gisele não está atrás de uma mesa carimbando papéis.
 
Vejamos o que ☿ pode representar. Ele rege as casas 9 e 6. Ele aspecta (usando aspectos por signo da astrologia indiana) as casas 2, 11 e 5. Ele dispõe de ♀ (regente das casas 5 e 10), de ♄ (regente das casas 1 e 2) e de ♃ (regente das casas 12 e 3). Segundo os Sutras de Jaimini, as profissões citadas por ele seriam dadas pelos pares ☿/♂ e ☿/♀. Eu trabalharia inicialmente com a hipótese ☿/♀ apenas porque essa ser a rota mais comum para mim, e depois eu checaria ☿/♂. Mas já me daria por satisfeito se encontrasse todos os critérios de profissões ♀/☿ e se o dasha no qual ela começaria a trabalhar também concordasse, como vemos a seguir.
 
Quando vemos uma combinação de ☿ e de ♀, precisamos pensar mesmo em atrizes ou modelos. Entretanto, para isso acontecer, esses dois planetas precisam aspectar casas que representem "dotes" necessários a profissão.
 
Para atrizes/modelos, tanto ☿ quanto ♀ precisam ter algum envolvimento com o ascendente (que indica o uso do próprio corpo), a casa 3 para habilidades de entretenimento, a casa 2 para discurso (esta eu ignoraria para modelos, embora Gisele já tenha uma passagem breve pelo cinema) e a casa 7 para exposição pública. Todos esses significados de casas são encontrados na astrologia indiana, e eu não te encorajaria para usá-los na astrologia ocidental.
 
Procurando os critérios acima, vemos que: 

  1. ☿ aspecta a casa 2 (discurso), enquanto ♀ aspecta o regente da 2 (saturno). O quesito "discurso" (Casa 2) foi preenchido. Embora modelos não costumam falar em público, atrizes sim, e ela teve uma passagem breve por esse ofício. 
  2. O quesito da exposição pública (casa 7) também temos preenchido porque ☿ está na 7 e ♀ é disposta por ☿, ligando também ♀ à casa 7. 
  3. Usar o próprio corpo (Ascendente) nós temos porque ♀ aspecta o regente do ascendente, e o regente do ascendente é disposto por ☿. 
  4. Finalizando, também há critérios para entretenimento (casa 3) porque ☿ dispõe do regente da casa 3 (♃).

Pronto! Agora conseguimos ver que ela realmente seria uma modelo/atriz pelo mapa, e não foi nada fácil! 

Este procedimento é o método que tenho costume de fazer com meus clientes, e posso afirmar que eu seguiria todos esses passos com poucos desvios. 

Ainda na Índia, quando a profissão se realizaria?

De nada adianta sabermos os significadores profissionais se eles não se realizarão na vida. Essas delineações são dasha-dependentes, isto é, se não houver dashas (períodos planetários) que ativem esses significados, ela nunca os realizará! Por isso, é importante saber quando esses planetas serão ativados.

Em Vimshottari Dasha, o período quando ela começou a carreira e se consolidou era o de ♃. Precisamos checar se o ☉ ou ☿ foram ativados durante o dasha de ♃. Para saber isso, é preciso averiguar quais planetas estão nos signos de ♃ no mapa natal, assim como os regentes dos signos que ♃ ocupa nas seis divisões (Shadvargas), que são o Rasi, a Hora, a Drekkana, a Navamsa, a Dwadasamsa e a Trimsamsa.
 
Não há nenhum planeta nos signos de ♃. ☿ está em Punarvasu, nakshatra regido por ♃, e isso já dá um ponto a ele. No Rasi, ♃ está num signo de ☿. Na Hora, também. Na Drekkana, idem. Na navamsa, ♃ está domiciliado. Na Dwadasamsa, idem. Na Trimsamsa, está no signo da ☽. Portanto, a maioria dos testemunhos aponta para ☿. Isso mostra que, durante o dasha de ♃, há uma quantidade avassaladora de evidências de que ☿ é planeta que indicaria profissão.

Conclusão

Este é um pout pourri do que ocorre na prática astrológica. Na maioria dos casos, revelar o que está dentro de um mapa pode ser um procedimento trabalhoso, mas muito gratificante.  

Interpretar mapas não é tarefa para "preguiçosos mentais". De fato, quando certos procedimentos são sistematizados e transformados num hábito, o astrólogo se acostuma com aquele gasto de energia e a prática regular torna tudo mais automático e menos cansativo. Mas tais procedimentos não podem ser simplificados, sob a pena de se errar prognósticos.

Quais livros eu mais usei na minha prática (de verdade)?

Estou pensando qual foi o livro de astrologia que eu mais usei e que me deu os melhores resultados. De astrologia horária, são os livros de...