2 de jun. de 2023

Uma instrução de horária/eletiva do século V d.C.



Para qual cidade você parte

Quando você estiver prestes a partir, examine o Ascendente e seu signo sucedente, o segundo lugar.

Se o senhor do segundo lugar estiver retrogradando, o viajante retornará imediatamente, mas sem ter feito nada.

Se ele estiver estacionado, (o viajante) infelizmente permanecerá em seu lugar por muito tempo.

Se depois de estacionar, ele (começar a) prosseguir, após cumprir (a meta) para a qual chegou, (o viajante) retornará.

Se ele estiver no Ascendente ou no Meio do Céu, (o viajante) se sairá ainda melhor, obterá lucro e então retornará, mas se ele estiver no Descendente, isso não é bom, pois às vezes (o viajante ) voltará doente.

No entanto, se ele estiver no terceiro (lugar), deve-se levar em consideração que (o viajante) venha a falecer no exterior. Mas, como me parece, se ele estiver no segundo ou no sexto lugar, (o viajante) frequentemente terá azar no exterior; para os demais lugares, terá de fazer o exame de acordo.

Estas são instruções de um astrólogo chamado Balchus (Palchus, para alguns) que suscita algumas reflexões para quem está aprendendo astrologia tradicional.

Primeira reflexão

Para início de conversa, Balchus não existiu:

Pensava-se que Palchus/Balchus era um astrólogo helenístico do final do século V - devido à presença de algumas origens datadas do Anonymous de Zeno - antes de David Pingree (“The Astrological School of John Abramius,” Dumbarton Oaks Papers 25 [1971], 189–215, especialmente 203–204) provar que tal personalidade simplesmente não existia. 

Pingree assumiu que o Livro Astrológico foi forjado pelo escriba de E, Eleutherius, e destacou que, além dos manuscritos da presente antologia, o nome Palchos aparece apenas em um lugar, nos Discursos de Shādhān traduzidos para o grego em Segredos 2.76, onde um livro é atribuído para ho hermēneutēs Palchos; isto é, “o intérprete de Balkh” (o bairro oriental da região de Khorāsān). 

O nome Palchos ou Balchos é, portanto, a tradução grega do etnônimo árabe (nisba) al-Balkhī, “de Balkh”, e assim a forma Balchos é mais fiel à pronúncia árabe. 

Felizmente, a astrologia é um saber no qual não importa muito a real existência de um autor atribuído, desde que saibamos o contexto histórico onde o texto surge.

Segunda Reflexão

A segunda reflexão é apenas uma curiosidade histórica, de qualquer forma interessante. Há uma especulação de que a astrologia horária tenha surgido da astrologia eletiva.

Com a eletiva, procura-se o instante ideal para um evento ocorrer com o melhor desfecho possível, de acordo com as necessidades do consulente. Mas nem sempre o instante ideal é encontrado nos céus no momento em que se necessita dele, e daí que vemos o céu real ditando o destino do acontecimento. A partir do momento em que não se consegue mais o céu desejado, surge a necessidade de se saber qual será o desfecho indicado pelo céu real. Provavelmente, é neste instante decisivo em que surge a astrologia horária. E esse texto de Balchus é uma "ocasião evolutiva" onde percebemos uma instrução astrológica que poderia ser tanto uma eletiva quanto uma horária. 

O texto acima é uma mistura de astrologia horária com eletiva porque ele indica o mapa do começo de uma viagem, mas prediz tanto desfechos desejáveis como indesejáveis, a depender das configurações. A condição é que o mapa seja feito no começo da viagem. 

Fazer mapas para o começo de um empreendimento é algo típico de astrologia eletiva, mas não é condição indispensável em horárias. Nada impede que o viajante, dotado de uma genuína preocupação com a viagem, faça uma interrogação horária sobre como ela será, ainda que seja um ano antes dela ocorrer. 

Numa etapa posterior a práticas "embrionárias" de astrologia horária como essa, possivelmente surgiu outra reflexão, mais arrojada: E se, ao invés de fazer o mapa para o início do evento, erguêssemos uma figura para sabermos como será o evento, antes mesmo de começá-lo? E provavelmente foi assim que a astrologia horária ganhou os contornos com os quais se tornou conhecida na idade média árabe, tornando-se um ramo da arte que também aborda situações sem a obrigatoriedade de um acontecimento concreto. Afinal de contas, grande parte das horárias respondidas pela minha mulher abordam apenas especulações.

Terceira reflexão

É comum haver pequenas polêmicas entre praticantes de astrologia horária devido a diferentes maneiras de se responder a uma questão. Assim como qualquer outra pergunta, "como será a viagem?" será respondida de modos diferentes a depender da escola seguida pelo astrólogo. 

Devido a ignorância, é muito comum pensarmos que determinadas maneiras de se enxergar o mapa sejam inovações. Mas elas podem ser demasiado antigas. 

Até agora, esta tem sido a primeira instância na história da astrologia na qual percebo algo que poderia chamar da "técnica do próximo signo". Consiste em analisar a casa seguinte àquela de interesse, a fim de se saber como será a próxima instância de significação dessa.

Por exemplo, é comum alguns astrólogos horários compararem o próximo emprego com o atual fazendo-se comparações entre o regente da casa 10 e o regente da casa 11. Por si só, a Casa 11 não representa profissão, mas em astrologia horária ela pode ser acessada como representante do próximo emprego, caso seja necessária uma comparação entre o próximo e o atual. A razão para isso é demasiadamente simples: a casa 11 é a próxima na ordem zodiacal.

No caso, o local onde o consulente está quando a viagem começa é um local familiar, representado pelo Ascendente. O local para onde ele viajará é, na lógica da horária (ou da eletiva), o local seguinte. Daí que o autor recorre ao segundo signo. Este raciocínio não deve ser usado em astrologia natal, porque a figura natal não está enraizada para responder a questões específicas.

Astrólogos horários que desconhecem textos bizantinos e helênicos podem pensar que este raciocínio foi criado por William Lilly ou John Frawley, mas ele é bem mais antigo.



  




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