Introdução
Ao longo do século XX, houve várias tentativas de se transformar a astrologia num produto pop dentro do capitalismo. Se estas tentativas lograram êxito ou não, é uma outra história.
Como se pode ver hoje em dia, a maioria das tentativas um pouco mais complicadas - isto é, que dependiam de um esforço extra por parte do consumidor - fracassaram. No fim das contas, sobraram as colunas de horóscopos dos jornais e os tele atendimentos astrológicos - simples, anedóticos, mas, astrologicamente falando, verdadeiras porcarias tiradas do sovaco de um estagiário - com gratas exceções.
À parte dessas empreitadas comerciais envolvendo astrologia, estou diante de uma dessas tentativas que, ao invés de se tornar apenas um mero divertimento de dona de casa de classe média alta, acabou virando livro de cabeceira de muito astrólogo profissional, auxiliando no ganha pão.
Lançado em 1980, e traduzido para o português brasileiro pela Editora Pensamento nos anos subsequentes, esta tentativa de produto astrológico pop em forma de livro pretendia capacitar o leitor leigo a fazer previsões gerais de sucesso e fracasso para si e seus familiares, em momentos descontraídos do final de semana - ao invés da família se juntar sábado à noite pra comer uma pizza, jogar Banco Imobiliário e ver as garotas molhadas no Viva a Noite. Trata-se do "Livro Completo de Astrologia Prática", de Edward O. Hammack Jr.
As tentativas de se transformar a astrologia em produto sempre envolveram alguma forma de simplificação do seu vasto conteúdo, de modo a facilitar o acesso ao público ignorante de trigonometria esférica, de astronomia de posição, e das regras do julgamento das estrelas. Essa simplificação podia ser desde não expor uma série de elementos importantes no julgamento astrológico, até mesmo a facilitação do cálculo das posições dos planetas (por meio de tabelas inclusas nos livros). Edward faz um pouco dos dois: a técnica é simples, e há tabelas no apêndice do livro com posições planetárias até o apocalíptico ano de 1999.
Em que consiste o método?
O núcleo do método preditivo de Edward envolve trânsitos sobre o Sol natal. Isso mesmo que você leu. Basicamente, ele ignora o Ascendente natal (quem precisa dele, não é mesmo?!).
Astrólogos modernos da escola humanística (cujo maior expoente é Dane Rudhyar) prestam muita atenção aos ciclos entre planetas, no mapa natal mas também nos trânsitos. Cada ciclo entre dois planetas possui uma significação, e saber a distância entre graus entre esses dois planetas define em que estágio os planetas estão nesse ciclo.
O principal ciclo usado pelo autor é entre Sol e Saturno, um par planetário comumente associado a ambições, metas de vida e como você consegue concretizá-las. Este ciclo é o grande mote do livro, mas há descrições de ciclos entre o Sol alguns outros planetas. Mas todos os outros ciclos citados no livro são lidos à luz dos estágios negativos ou positivos do ciclo Sol-Saturno, mostrando um embrionário conceito de síntese do julgamento em trânsitos, tão raro nos materiais que tive acesso até hoje.
Em termos gerais, o ciclo Sol-planeta é desenhado como se fosse uma curva senoidal, com um vale e um pico. No caso do par Sol-Saturno, o pico seria o auge da pessoa, da sua fama e status, a concretização das suas metas; o vale, o oposto, a insatisfação, o nêmesis da pessoa.
Aqui está uma digitalização do próprio livro:
Vamos explicar aquilo que nunca muda em qualquer uma das figuras do livro:
Os pontos numerados na curva, apesar de serem pontuais, são chamados de "fases" pelo autor. Conceitualmente, esse termo me desagrada porque, no meu entendimento, uma "fase" é um percurso, um trajeto temporal, não um momento pontual. Mas na verdade, esses pontos da curva são denominados como fases ou períodos porque o autor considera a faixa de tempo enquanto o planeta transita ao redor dele. Lembre-se de que planetas estacionam, retrogradam e entram em movimento direto novamente, e isso pode acontecer em torno dos pontos acima.
Fases 1 e 3 indicam a metade da distância entre o pico e o vale. Se fosse o nível do mar, seria "zero altitude", por isso eu chamo esses números de "zero". A diferença é que a fase 1 é descendo morro abaixo, enquanto a fase 3 é rumo ao cume.
Fases 2 e 4 indicam os extremos da curva. O número 2 seria o fundo do poço, enquanto o número 4 seria o cume da montanha.
Você pode ver, na figura acima, que cada um dos números/fases mencionados(as) estão próximos dos seus estágios correspondentes na curva. Essa nomenclatura não muda em caso algum. A curva, contudo, pode ser diferente de pessoa pra pessoa. Qualquer pessoa, a depender do ângulo natal entre o Sol e Saturno, pode começar a vida em qualquer fase da curva, ou entre duas das "fases". Por exemplo, a partir do nascimento da pessoa, ao invés da curva começar subindo, ela pode começar descendo. Tudo depende do ângulo que ♄ natal tem em relação ao ☉ natal. Veremos isso a seguir.
Agora que você já viu o que não muda, resta saber o mais importante. A grande questão é saber quais aspectos entre ☉ e ♄ correspondem a quais estágios dentro da curva senoidal.
Para responder a essa questão, precisamos saber quais aspectos o autor considera:
- Conjunção
- as duas semiquadraturas
- as duas quadraturas
- os dois trígonos (exceto no ciclo☉/♄)
- as duas sesquiquadraturas
- oposição
Como você pode ter notado, há apenas 4 estágios da curva senoidal. Em contrapartida, o autor considera um total de DEZ aspectos, (já incluindo a conjunção).
Saturno em trânsito leva cerca de 30 anos para dar uma volta completa em torno do zodíaco e voltar à sua posição natal. A seguir, veremos como distribuir esses aspectos do ciclo Sol-Saturno à curva senoidal.
Antes disso, é preciso citar que Edward acrescenta um pequeno complicador: os aspectos atribuídos a cada estágio da curva dependem do gênero do indivíduo. Por exemplo, quando ♄ faz 45˚ com o ☉ natal - a semiquadratura crescente- mulheres estariam no pico, enquanto homens no vale. Vai entender de onde ele tirou essa distinção! Espero que tenha sido por observação de milhares de casos...
Eu poderia escrever mais alguns parágrafos bem confusos para descrever o método do autor, mas a riqueza das imagens está no fato de significarem mais do que mil palavras. A figura a seguir basicamente é o resumo da primeira parte do livro, e você ainda nem me agradeceu por isso (de nada!):
Para você entender a riqueza desta imagem, precisa primeiro ser introduzido aos princípios que a nortearam. Alguns deles você já viu neste artigo.Vamos ver no meu caso.
Tem astrólogo brasileiro que durante muito tempo usou desse livro para promover workshop ensinando as pessoas a saberem em que parte da curva elas se encontravam, de modo a se preparar para surfar a curva ascendente. Era um inteligente workshop de astrologia eletiva usando trânsitos de planetas, uma coisa que nunca vi igual até hoje.
Sem dúvida, a astrologia em discussão aqui é moderna e eletiva, porque o livro não tem nenhum compromisso em fazer previsões, embora ofereça subsídios para saber em que momento da curva você está e o que deve fazer dentro deste momento.
Tem muito mais coisa no livro que vale a pena o estudo - nem que seja para refutar tudo que o autor disse.
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