14 de mar. de 2023

astrologia moderna versus antiga: uma falsa dicotomia

Agora que a poeira baixou na minha vida, após anos conferindo tanto a teoria quanto a prática astrológica tradicional ou moderna, eu realmente entendo aquilo que mais me irritava enquanto astrólogo. Não era o fato da astrologia ser moderna. O que me deixava realmente puto era quando a astrologia que estudava não representava bem a realidade. 

Ao longo desses anos, encontrei material teórico moderno que realmente funciona. E quando eu digo funciona, entenda como "fazer aquilo a que se propõe, seja lá o que for". Pode ser a proposta mais louca possível, mas se ela funcionar, então, como diria Abū Maʿšar: "qual a vantagem em ignorar este conhecimento"? 

É claro, o grande problema de alguns materiais da astrologia moderna é que muitos deles procuram apenas por mudanças subjetivas, internas, do indivíduo. Esse tipo de coisa me irrita um pouco porque você nunca sabe se a pessoa foi sugestionada pelo astrólogo ou não. É por isso que eu me comprometo apenas em validar técnicas astrológicas que representem alguma sinalização exterior, algum sinal externo mínimo de que realmente alguma coisa está mudando na vida da pessoa. E não faço isso porque ainda estou procurando me convencer de que astrologia funciona. Estou em outro patamar: 

Certeza de que astrologia funciona, eu já tenho. A certeza que busco é das técnicas usadas nos mapas dos meus clientes realmente funcionarem.

Com tudo isso em mente, eventualmente eu estudo e pratico algumas técnicas da astrologia moderna. 

O ser humano talvez seja a única espécie que coloque mentalmente sua vida em perspectiva. Muitas vezes, eu coloquei a minha sob lentes distorcidas. Uma das maneiras de distorcer a percepção sobre a própria biografia é dividir sua vida em fases e colocar fases que se sucedem como antítese uma da outra, quando, na verdade, a fase seguinte é, ao mesmo tempo, a colheita do que foi proveitoso na fase anterior, somada a um movimento de se buscar algo que, de alguma forma, tenha alguma oposição ao que se fazia antes, visando um estado de equilíbrio.

Já tive fases estudando astrologia moderna, outras estudando astrologia clássica e outras estudando astrologia indiana. Muitas vezes, ao olhar para minha própria vida em perspectiva, pensava: isso quer dizer que, a partir de agora, estou rejeitando tudo que aprendi antes? 

A sucessão de todos esses momentos me fez perceber que tal questionamento parte da premissa errada. As fases que se sucedem nas nossas vidas não são, necessariamente, as antíteses das fases anteriores, até porque, quando vejo minha trajetória, fica claríssimo o padrão de que minha prática se consolidou como sendo astrólogo tradicional, que usa técnicas do período helenístico e árabe medieval. Esse é o meu porto seguro, onde reside parte substancial da minha prática. É por isso que usar, eventualmente, técnicas astrológicas de outras escolas não significa um movimento na direção contrária à astrologia medieval, se estas técnicas modernas suprirem necessidades diferentes.

Você pode usar as técnicas da escola que quiser, desde que entenda o contexto histórico e as necessidades que cada uma delas vise suprir. Para tanto, é fundamental não "misturar" as técnicas. Por exemplo, quando for aplicar astrologia medieval ocidental, não use as dignidades propostas pelos indianos. Marte em Gêmeos é peregrino, e não está no "signo do seu grande inimigo". Se você misturar, acredite, nada vai dar certo. Mas não há problema algum em ver uma época da vida da pessoa à luz de duas ou mais escolas diferentes.

O exemplo mais claro desta compartimentalização é Meira Epstein, uma das tradutoras para o inglês do astrólogo medieval judeu Ibn Ezra. No site scribd, há um texto de algumas páginas com uma introdução da autora à astrologia "Uraniana", chamada originalmente Astrologia da "Escola de Hamburgo", criada no século XX e talvez a primeira astrologia ocidental em séculos que mais se afastou das premissas da astrologia tradicional. Sem maiores rodeios, Meira diz, na leitura de mapas, usar tanto aquilo que ela aprendeu ao traduzir Ibn Ezra quanto a Escola de Hamburgo, obviamente, sem misturar as técnicas de uma com a outra. Meira afirma que o uso de duas escolas diferentes de astrologia para analisar um mesmo mapa, à mesma época, se torna uma experiência muito proveitosa, quando você aprende a sintetizar os achados de uma com os achados da outra.

É claro que a trajetória de muitos astrólogos faz com que essa duplicidade de escolas - algo que astrólogos com o meio do céu em Capricórnio ou em signos duplos devem ter - se mostre completamente desnecessária. Steven Birchfield, com o meio do céu em Aquário, um signo fixo, demonstra rejeitar  qualquer doutrina astrológica nascida do século XIX em diante, e vê tudo que foi produzido de astrologia até o século XVIII apenas como verdades que confirmam aquilo que foi ensinado nos textos mais primordiais da astrologia helenística - eventualmente, detectando meras distorções dessas ideias. E olha que o cara era um estudioso da astrologia moderna por muitos anos, até que em 1993 conheceu o Project Hindsight.

Quanto a mim, eu comecei a usar algumas técnicas da astrologia moderna para suprir necessidades específicas dos meus clientes, com algum sucesso incipiente. No final do dia, volto pros braços da mamãe, a astrologia tradicional...

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