14 de fev. de 2023

Direções primárias e circumambulações: qual a diferença?

Vou compartilhar com vocês um pequeno susto que eu tomei. Mas antes, é necessária uma introdução.

Durante muito tempo, os programas de astrologia que tinham módulos de astrologia tradicional erravam feio no cálculo das direções primárias. Sou da época em que o Morinus não existia e que o único programa bom para direções era o Placidus*. 

Por exemplo, as direções primárias calculadas pelo programa mais pirateado entre os astrólogos brasileiros - o Solar Fire... - tinham como bibliografia o livro Arcana of Astrology, de autoria do astrólogo do século XIX que atendia pelo pseudônimo de Sepharial. Este autor se desviava totalmente do cálculo  recomendado por Ptolomeu das direções primárias**. Em outras palavras: o que o Solar Fire chamava de direção primária era qualquer coisa... menos uma direção primária ptolomaica! Não faço ideia se isso continua assim no Solar Fire porque eu só o uso para mostrar dados, e não calcular técnicas.

No capitalismo, ainda que demore décadas, todo bem de consumo criado começa disponível apenas para os mais ricos e, com o passar do tempo, fica mais acessível. As direções primárias também se enquadram nesta dinâmica. Hoje em dia, você baixa o Morinus, que é de graça, e tem à mão um potente programa de direções primárias, que contempla as variações mais essenciais da técnica. Em 2006, para ter esse luxo, só comprando o Placidus, que nunca foi caro (e era mais fácil ainda de comprar quando o dólar valia dois reais), mas sejamos francos: o brasileiro geralmente torce o nariz pra comprar programa de computador... 

Diante da democratização de tantas opções de cálculo, é legítima a dúvida sobre qual variação da técnica seria a ideal. Resolva esse imbróglio ficando nos ombros do gigante Ptolomeu e começando pelo que o primeiro autor na história das direções primárias recomendava:

  • Direções zodiacais (ou seja, se dirige a projeção do planeta na eclíptica, e não o verdadeiro corpo do planeta)
  • ZERO latitude do significador (ou seja, a projeção do planeta está realmente "colada" na eclíptica, e não flutuando acima ou abaixo dela).
  • Chave de tempo Ptolomaica (1˚= 1 ano)
  • Aspectos dos promissores† ao significador (ou seja, o significador fica paradão e recebe as influências dos promissores, que giram no sentido do movimento primário).
  • As direções que uso podem ser tanto diretas quanto conversas, mas com um grave "porém":  as direções chamadas de "conversas" na maioria dos softwares não são o que Ptolomeu realmente queria chamar de conversas: O planeta em direção conversa não dá marcha ré como os programas fazem hoje em dia, invertendo o sentido do movimento primário da eclíptica: Ptolomeu chamava de conversa uma direção na qual é o significador que se move, e não o promissor. O movimento da eclíptica sempre será no sentido dos planetas nascerem no Ascendente, depois culminarem no Meio do Céu e se porem no Descendente. Até onde sei, o único programa que calcula as verdadeiras direções conversas é o Delphic Oracle, e ele chama as falsas conversas (as que todos os programas consideram como verdadeiras) de NEO conversas. 
Usando as configurações acima, podemos ir em diferentes programas de astrologia e testá-los: se usarmos os mesmos parâmetros acima em todos os programas que dispõem de direções primárias, e se todos eles entregarem as mesmas direções nas mesmas datas, então podemos crer que todos os programas estão "batendo no mesmo compasso": supostamente, todos estão usando os mesmos métodos de cálculo. 

É o que fiz com três programas: o Morinus, o Janus e o Delphic Oracle.

Como andam as coisas hoje em dia?

Hoje em dia, a maioria dos programas de astrologia que tem módulos de astrologia clássica e medieval fizeram a tarefa de casa, estudaram os autores relevantes e aprimoraram seus métodos de cálculo das direções primárias. Com isso, as coisas estão mais padronizadas. Os programas só vão entregar resultados muito diferentes dos outros se os parâmetros de cálculo forem muito diferentes. Caso contrário, a tendência é que todos eles entreguem datas muito próximas ou iguais. 

Vou provar isso usando como exemplo as direções do Sol no mapa de um cliente. Vamos olhar as mesmas direções no Morinus, Janus e Delphic Oracle. TODOS os exemplos a seguir usam dos parâmetros listados acima

Direção do Sol no Delphic Oracle


Preste atenção à direção em cinza. Trata-se do momento em que os termos de ☿ em ♐ passam pelo Sol por direção primária. Ela ocorre em 12 de janeiro de 2022. 

Direção do Sol no Janus

Eis que a mesma direção aparece no Janus... com a mesmíssima data, 12 de janeiro de 2022, (na linha do meio).

Direção do Sol no Morinus


Está lá! A mesmíssima direção, na mesmíssima data: o Sol nos termos de ☿ em ♐, em 12 de janeiro de 2022 (linha do meio).

Resumo: Os três programas entregaram o mesmíssimo resultado. Tudo isso demonstra que podemos usar os programas mais populares para astrologia medieval e clássica sem peso na consciência, com a certeza de que estamos pisando no mesmo chão e falando a mesma língua.

Mas cuidado com algumas armadilhas... Como as tais circumambulações do Delphic Oracle.

As tais "circumambulações"do Delphic Oracle...

A técnica das circumambulações (chamada em inglês de circumambulations, algo que poderia ser traduzido como "andar circulando", "andar ao redor", ou, simplesmente, "girar em torno"...) nada mais são do que direções primárias com um método de cálculo mais simples, que usa apenas as ascensões dos signos, que hoje são chamadas de ascensões oblíquas

Fazer circumambulações é muito, mas muito simples. Basta saber as ascensões oblíquas de cada ponto e calcular a distância entre eles. Por exemplo, se o Sol na casa 9 tem a ascensão de 179˚, enquanto ♂ na casa 08 tem a ascensão de 210˚ (a propósito, este exemplo é totalmente fictício), basta fazer a diferença entre as duas ascensões para saber que o Sol se encontrará com ♂ em 31˚ o que, convertendo-se na chave ptolomaica (1˚=1 ano) dará 31 anos de idade.

Olhando assim, até parece que qualquer direção primária é feita dessa forma. ACHOU ERRADO!

Desde Ptolomeu, no século II d.C, as direções primárias seguem as seguintes diretrizes:
  • Qualquer ponto (planeta, Lote etc) que estiver no Ascendente ou Descendente (ou o próprio Ascendente) é dirigido por Ascensão Oblíqua; 
  • Qualquer ponto no Meio do Céu ou Fundo do Céu (ou o próprio Meio do Céu) é dirigido por Ascensão Reta;
  • Qualquer ponto que não estiver no Ascendente ou no Meio do Céu é dirigido por uma proporção complicada e enfadonha cuja explicação é extensa e foge do escopo deste texto.
Portanto, as circumambulações são calculadas como se todos os pontos estivessem no Ascendente, o que é teoricamente grosseiro! E o resultado final pode ser bem diferente! É o que vou provar a seguir:

Vamos postar novamente a direção do Sol entrando nos termos de ♐:

O Sol deste cliente está na Casa 6. Portanto, segundo Ptolomeu, não podemos dirigí-lo nem por Ascensão Reta, nem por Ascensão Oblíqua. O resultado acima reflete este método de cálculo. Entretanto, se considerarmos Ptolomeu errado e aderirmos ao método das circumambulações, teremos o seguinte:


Segundo as circumambulações, o Sol entrou nos termos de ☿ em ♐ no dia 8 de fevereiro de 2015, SETE anos antes se compararmos com as direções primárias! 

Esse foi o susto do qual falei no começo deste artigo: a enorme discrepância que pode haver entre direções primárias e circumambulações! E eu apenas me assustei porque comecei a calcular direções e circumambulações para todos os significadores natais (Sol, Lua, Ascendente e o Meio do Céu). Antes disso, eu fazia apenas do Ascendente e, de fato, as direções do Ascendente e as Circumambulações são as mesmas, porque ambas usam Ascensões Oblíquas! 

Diante dessa diferença, qual técnica seria a correta? Eu prefiro fazer da mesma forma que Ptolomeu, Abū Maʿšar, Placidus, Regiomontanus e tantos outros advogavam, e sempre preferirei as direções primárias. Na retificação dos meus clientes, percebo resultados muito precisos com esta técnica. As circumambulações me soam um recurso simplificado e grosseiro. Curtis Manwaring (autor do Delphic Oracle) apenas a incluiu no seu programa porque essa técnica é citada por astrólogos helenísticos (como Valens e Doroteu), e o objetivo do Delphic Oracle é proporcionar ao astrólogo todas as ferramentas necessárias para se testar o sistema astrológico helenístico.

Notas de rodapé

*Até hoje o Placidus é maravilhoso, mas eu o indico apenas para quem quer se aprofundar nesse tema, porque o programa possui muitas variações de cálculo diferentes, a ponto de ser possível, através dele, saber qual variação técnica funciona melhor com cada indivíduo: tipo você descobrir que sua vida é melhor representada por direções placidianas sob o polo do significador com a proporção de tempo Naibod... Se você não entendeu, não precisa...

** Sepharial acertava como calcular direções primárias envolvendo o Ascendente ou o Meio do Céu - que são as mais fáceis e qualquer principiante calcula à mão se quiser. Mas as direções entre planetas eram erradas...

† Eu resolvi traduzir o termo "promittor" como "promissor", porque este ponto promete alguma coisa ao significador, seja ela boa ou ruim.


Um comentário:

Parâmetros diferentes mudam o julgamento? Astrologia Clássica na Itália.

Parâmetros diferentes mudam o julgamento? Astrologia Clássica na Itália. Um exemplo do exposto Conclusão, (como sempre, temporária…)...