19 de jan. de 2023

Pessoas inteligentes e a astrologia

Era uma tarde nublada, e dava um plantão na periferia de Campinas, na Unidade de Pronto Atendimento do bairro Campo Grande. Isso faz alguns anos.

Atendi uma mulher jovem, que devia ter seus trinta anos, e aconteceu uma coisa que nunca imaginaria. A mulher leu meu nome no carimbo, e me reconheceu como o autor de um blogue de astrologia tradicional. 

Divergimos do motivo da consulta, e conversamos sobre astrologia. Ela me elogiou, e é claro que eu fiquei um misto de envergonhado com estupefato. Marquei a fisionomia da mulher.

Anos depois, ela volta comigo, na mesma UPA, com uma queixa diferente. Se ela me reconheceu, fingiu que não. Talvez eu estivesse com o cabelo diferente. Talvez ela não tivesse lido meu carimbo. Foi uma consulta rápida, mas deu tempo dela revelar que tinha passado para medicina numa universidade pública.  Fiquei muito feliz com isso. Antes, tinha feito uma faculdade da área de humanas.

Eu fiquei me perguntando como estaria a relação dela com astrologia a essa altura do campeonato. Pessoas de trinta anos normalmente já não tendem muito a mudar de ideias sobre as coisas, mas e se ela encarnou a personalidade científica e cética comumente reputada a médicos (e que na maioria dos casos é apenas uma aparência)? 

O fato é que o meio biomédico praticamente ignora saberes extra curriculares. É por isso que eu não diria que a astrologia é achincalhada no meio acadêmico. Penso mais numa relação de indiferença. A coisa já foi tão desacreditada pela ciência nos séculos anteriores que perder tempo tentando refutá-la é como chutar cachorro morto. A universidade tem outros problemas mais importantes. 

Como já falei num texto sobre Kushyar ibn Labban, o único departamento da universidade que tem interesse em astrologia é o departamento de história das ciências - e, mesmo assim, este interesse tende a ser estritamente astronômico, filosófico e matemático: como os astrólogos indianos computavam os movimentos dos planetas? Em que tábuas de posição indianas se inspiraram os Zijs (tábuas de posição) persas? Como se deu essa transmissão de conhecimento? Qual era a escola filosófica que permeava o entendimento dos autores de astrologia medieval? Perceba que isso passa longe de se querer saber qual é a técnica correta da expectativa de vida, ou a técnica para se saber se a pessoa terá nenhum, poucos ou muitos filhos... 

O fato é que a astrologia nunca foi 100% refutada, porque isso é impossível. Há tantas variáveis em jogo que se inter relacionam que se torna impossível desenhar um estudo com todas ao mesmo tempo. Esqueça estudos patéticos que visam refutar associação de signos solares com certos comportamentos, porque estou falando de testar o bread and butter da astrologia - o julgamento astrológico dos temas de um mapa, coisa de "cachorro grande", que dificilmente se vê pelo mundo, quiçá neste país.

Se a astrologia não foi refutada, o que ocorreu nos meios acadêmicos?  Uma mudança de paradigma que colocou este saber num lugar de dúvida ante a novos princípios filosóficos científicos. Colocou-se a astrologia num lugar muito similar ao lugar que os agnósticos colocam Deus, uma "prateleira" de suspeição do julgamento, de negligência e indiferença. 

Muitos professores universitários gostam de astrologia, acham divertido, mas não misturam isso com o trabalho. Pelo que ouço e vejo por aí, desconfio que esta característica seja mais encontrada no Brasil. Aqui, as pessoas se dão o direito de terem alguns divertimentos e crenças que contrastam com a persona profissional ou acadêmica. Por aqui, não há muito aquele ser 100% comprometido com sua carreira- que alinha todas as suas crenças com o que ele deseja profissionalmente - o que me soa meio idiota. 

E o que seria uma incoerência, pra mim, é reflexo da maior inteligência. Pessoas inteligentes podem se interessar por astrologia, porque ela ainda se situa no terreno ambíguo das crenças, que nunca serão provadas na sua inteireza. Ter crenças não é sinônimo de burrice: muitas vezes, a crença é a única coisa ao qual a pessoa pode se apegar durante um momento turbulento da sua vida. É um recurso de defesa. O que você faz com sua crença é que mostra sua burrice.

E essas pessoas, se investigarem a fundo, vão se deparar com uma riqueza descoberta por poucos. Eu vivi para ver a astrologia sendo provada centenas de vezes. O problema é que as regras para se provar nem sempre são aceitas pelo meio acadêmico. 


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